domingo, 8 de maio de 2011

Os Benefícios da Meditação Andando

Por

Sayadaw U Silananda



Nos nossos retiros de meditação, os iogues praticam a atenção plena em quatro posturas distintas. Eles praticam a atenção plena ao caminhar, em pé, sentados e quando se deitam. Eles precisam manter a atenção plena em todos os momentos em qualquer postura que estejam. A postura mais comum para a meditação da atenção plena é sentado com as pernas cruzadas, mas como o corpo humano não é capaz de tolerar essa posição por muitas horas, nós alternamos períodos de meditação sentada com períodos de meditação andando. Visto que a meditação andando é muito importante, eu gostaria de discutir a sua natureza, sua importância e os benefícios derivados da sua prática.

A prática da meditação da atenção plena pode ser comparada com o ato de ferver água. Se alguém quer ferver água, primeiro coloca a água na chaleira. Coloca a chaleira sobre o queimador do fogão e depois acende o fogo. Mas se a chama for apagada, mesmo que seja apenas por um instante, a água não irá ferver, mesmo que a chama seja acesa novamente mais tarde. Se a pessoa ficar acendendo e apagando a chama o tempo todo, a água nunca irá ferver. Da mesma forma, se existem intervalos entre os momentos de atenção plena, a pessoa não obterá impulsão e assim não obterá a concentração. É por isso que os iogues nos nossos retiros são instruídos a praticar a atenção plena durante todo o tempo em que estejam despertos, do momento em que acordem pela manhã até quando adormeçam à noite. Por conseguinte, a meditação andando é parte integral do processo contínuo do desenvolvimento da atenção plena.

Infelizmente, tenho ouvido pessoas criticarem a meditação andando, argumentando que elas não conseguem obter dela nenhum benefício ou resultado. Mas foi o próprio Buda quem pela primeira vez ensinou a meditação andando. No Discurso dos Fundamentos da Atenção Plena, o Buda ensinou a meditação andando duas vezes. Na seção intitulada “Posturas,” ele disse que um bhikkhu sabe “Eu estou andando” quando ele está andando, sabe “Eu estou em pé” quando está em pé, sabe “Eu estou sentado”quando está sentado e sabe “Eu estou deitado” quando está deitado. Em uma outra seção chamada “Plena Consciência,” o Buda disse, “um bhikkhu age com plena consciência quando vai para a frente e quando retorna.” Plena Consciência significa o correto entendimento daquilo que é observado. Para entender corretamente aquilo que é observado um iogue necessita obter concentração e para obter concentração, ele precisa aplicar a atenção plena. Portanto, quando o Buda disse, “Bhikkhus, empreguem a plena consciência,” precisamos entender que não somente a plena consciência deve ser empregada, mas também a atenção plena e a concentração. Dessa forma o Buda estava instruindo os meditadores a empregar a atenção plena, a concentração e a plena consciência ao caminhar, ao “ir para a frente e retornar.” A meditação andando é portanto uma parte importante desse processo.

Embora não esteja registrado no sutta que o Buda tenha dado instruções detalhadas e específicas para a meditação andando, acreditamos que ele deva ter dado essas instruções em algum momento. Essas instruções devem ter sido aprendidas pelos seus discípulos e transmitidas ao longo de sucessivas gerações. Além disso, os mestres dos tempos antigos devem ter formulado instruções baseadas na sua própria prática. Na atualidade, temos um conjunto detalhado de instruções sobre como praticar a meditação andando.

Falemos agora especificamente sobre a prática da meditação andando. Se você for um iniciante, o mestre poderá instruí-lo a colocar a atenção plena em apenas uma coisa durante a prática da meditação andando: estar plenamente atento ao ato de dar o passo e ao mesmo tempo fazendo silenciosamente uma notação mental, “andando, andando, andando,” ou “esquerdo, direito, esquerdo, direito.” Você deveria caminhar num ritmo abaixo do normal durante essa prática.

Após algumas horas, ou após um dia ou dois de meditação, você poderá ser instruído para colocar a atenção plena em dois eventos: (i) dar o passo e (ii) abaixar o pé, ao mesmo tempo fazendo a notação mental “andando, abaixando.” Você deverá tentar ficar atento a dois estágios no processo de caminhar: “dar o passo, abaixar; dar o passo, abaixar.” Mais tarde, você poderá ser instruído para colocar a atenção plena em três estágios: (i) levantar o pé; (ii) mover ou empurrar o pé para a frente; e (iii) abaixar o pé. Mais tarde ainda, você poderá ser instruído para colocar a atenção plena em quatro estágios de cada passo: (i) levantar o pé; (ii) movê-lo para a frente; (iii) abaixá-lo; e (iv) tocar ou pressionar o pé no chão. Você será instruído para estar completamente atento e para fazer uma notação mental desses quatro estágios do movimento do pé: “levantar, mover para a frente, abaixar, pressionar o chão.”

No início os iogues acham difícil andar mais devagar, mas como eles são instruídos a prestar bastante atenção a todos os movimentos envolvidos, e assim que eles realmente passem a prestar cada vez mais atenção, eles automaticamente desaceleram. Eles não precisam ser compelidos a desacelerar, pois à medida que eles prestem mais atenção, andar mais devagar lhes ocorre de forma automática. Ao dirigir numa auto estrada, uma pessoa pode estar andando a cem ou cento e dez ou cento e vinte km por hora. Andando nessa velocidade ela não será capaz de ler alguns dos sinais na estrada. Se a pessoa quiser ler os sinais, terá que reduzir a velocidade. Ninguém precisa dizer, “Desacelere!” o motorista irá reduzir a velocidade de forma automática para poder ler os sinais. Da mesma forma, se os iogues quiserem prestar mais atenção aos movimentos de levantar, mover para a frente, abaixar e pressionar o solo, eles irão desacelerar de forma automática. Somente quando eles diminuírem a velocidade poderão estar verdadeiramente atentos e plenamente conscientes desses movimentos.

Embora os iogues prestem bastante atenção e reduzam a velocidade, pode ser que eles não vejam todos os movimentos e estágios com clareza. Os estágios podem não estar ainda bem definidos na mente e pode parecer que eles constituam apenas um movimento contínuo. À medida que a concentração for se tornando mais firme, os iogues irão observar cada vez com mais clareza os diferentes estágios em cada passo; pelo menos os quatro estágios serão distinguidos com mais facilidade. Os iogues saberão com clareza que o movimento de levantar não está misturado com o movimento de levar adiante, e eles saberão que o movimento de levar adiante não está misturado como o movimento de levantar nem com o movimento de pressionar. Eles compreenderão todos os movimentos com clareza e nitidez. Tudo aquilo que tiver sido alvo da atenção plena e consciência estará bastante nítido nas suas mentes.

À medida que os iogues continuam com a prática, eles passarão a observar muito mais. Quando levantarem o pé, experimentarão a leveza do pé. Quando empurrarem o pé para frente, irão notar o movimento de um lugar para outro. Quando abaixarem o pé, eles sentirão o peso do pé, porque o pé fica cada vez mais pesado à medida que desce. Quando eles colocarem o pé no chão, sentirão o toque do calcanhar no chão. Então, junto com a observação de levantar, mover adiante, abaixar e pressionar o chão, os iogues também perceberão a leveza do pé sendo levantado, o movimento do pé, o peso do pé sendo baixado e depois o toque no pé, que é a suavidade ou dureza do pé no chão. Quando os iogues percebem esses processos, ele estão percebendo os quatro elementos essenciais (em Pali, dhatu). Os quatro elementos essenciais são: o elemento terra, o elemento água, o elemento fogo e o elemento ar. Ao prestar bastante atenção a esses quatro estágios da meditação andando, os quatro elementos na sua verdadeira essência são percebidos, não como meros conceitos, mas como processos verdadeiros, como realidades últimas.

Analisemos um pouco mais em detalhe as características dos elementos na meditação andando. No primeiro movimento, levantar o pé, os iogues percebem a leveza, e ao perceber a leveza eles em essência percebem o elemento fogo. Um aspecto do elemento fogo é fazer com que as coisas fiquem mais leves e quando as coisas ficam mais leves, elas sobem. Na percepção da leveza no movimento ascendente do pé, os iogues percebem a essência do elemento fogo. Mas no levantar o pé existe também, além da leveza, movimento. Movimento é um aspecto do elemento ar. Mas a leveza, o elemento fogo, é dominante, portanto podemos dizer que no estágio de levantar o pé o elemento fogo é o primário e o elemento ar, o secundário. Esses dois elementos são percebidos pelos iogues ao prestar bastante atenção ao movimento de levantar o pé.

O próximo estágio é mover o pé para a frente. Ao mover o pé para a frente, o elemento dominante é o elemento ar, porque o movimento é uma das principais características do elemento ar. Portanto, ao prestar bastante atenção ao movimento do pé para a frente na meditação andando, os iogues estão na prática percebendo a essência do elemento ar.

O próximo estágio é o movimento de abaixar o pé. Quando os iogues abaixam o pé existe uma espécie de peso no pé. Peso é uma característica do elemento água, tal como gotejar e ressumar. Quando um líquido é denso, ele ressuma. Portanto quando os iogues percebem o peso do pé, eles percebem a essência do elemento água.

Ao pressionar o pé no chão, os iogues perceberão a dureza ou suavidade do pé no chão. Isso pertence à natureza do elemento terra. Ao prestar bastante atenção à pressão do pé contra o chão, os iogues irão na prática perceber a natureza do elemento terra.

Portanto, vemos que em apenas um passo os iogues podem perceber muitos processos. Eles podem perceber os quatro elementos e a natureza dos quatro elementos. Somente aqueles que praticam podem ter a esperança de ver essas coisas.

À medida que os iogues continuam praticando a meditação andando, eles irão compreender que com cada movimento existe também a mente que registra, a consciência do movimento. Ocorre o movimento de levantar e também a mente que tem consciência desse movimento de levantar. No momento seguinte, existe o movimento para a frente e também a mente que tem consciência desse movimento. Além disso, os iogues irão compreender que ambos, o movimento e a consciência, surgem e desaparecem naquele momento. No momento seguinte, existe o movimento de abaixar e também a consciência desse movimento, e ambos surgem e desaparecem naquele momento de colocar o pé no chão. O mesmo processo ocorre com o pressionar do pé: existe o pressionar e a consciência do pressionar. Dessa forma, os iogues compreendem que junto com os movimentos do pé, também existem os momentos da consciência. Os momentos da consciência são chamados em Pali, nama, mente, e o movimento do pé é chamado rupa, matéria. Dessa forma os iogues percebem a mente e a matéria surgindo e desaparecendo em cada momento. Em um momento ocorre o levantar do pé e a consciência de levantar, e no momento seguinte existe o movimento para a frente e a consciência desse movimento e assim por diante. Eles podem ser compreendidos como um par, mente e matéria, que surgem e desaparecem a cada momento. Assim os iogues avançam para a percepção da ocorrência combinada da mente e matéria em cada momento de observação, isto é, se eles prestarem bastante atenção.

Outra coisa que os iogues irão descobrir é o papel da intenção ao efetuar cada movimento. Eles compreenderão que levantam o pé porque querem fazer isso, movem o pé para diante porque querem fazer isso, abaixam o pé porque querem fazer isso, pressionam o pé no chão porque querem fazer isso. Isto é, eles compreendem que a intenção precede cada movimento. Depois da intenção de levantar, ocorre o levantamento. Eles passam a entender a condicionalidade de todas essas ocorrências – esses movimentos nunca ocorrem por si mesmos, sem condições. Esses movimentos não são criados por alguma divindade ou autoridade e esses movimentos nunca ocorrem sem uma causa. Existe uma causa ou condição para cada movimento, e essa condição é a intenção que precede cada movimento. Essa é mais uma descoberta que os iogues realizam se prestarem bastante atenção.

Quando os iogues compreenderem a condicionalidade de todos os movimentos, e que esses movimentos não são criados por nenhuma autoridade ou deus, então eles compreenderão que os movimentos são criados pela intenção. Eles compreenderão que a intenção é a condição para que o movimento ocorra. Dessa forma a relação entre o condicionamento e o condicionado, de causa e efeito, será compreendida. Com base nessa compreensão os iogues podem remover a dúvida sobre nama e rupa ao compreender que nama e rupa não surgem sem condições. Com o claro entendimento da condicionalidade das coisas e com a transcendência da dúvida sobre nama e rupa, se diz que o iogue alcançou o estágio de um “pequeno sotapanna. "

Um sotapanna é aquele “que entrou na correnteza,” uma pessoa que alcançou o primeiro nível de iluminação. Um “pequeno sotapanna" não é um verdadeiro sotapanna mas se diz que ele tem assegurado o renascimento em um plano de existência feliz, tal como os reinos dos seres humanos e devas. Isto é, um pequeno sotapanna não renasce num dos estados miseráveis, num dos reinos animais ou do inferno. Esse estado de pequeno sotapanna só pode ser alcançado através da prática da meditação andando, prestando bastante atenção aos movimentos envolvidos em um passo. Esse é o grande benefício da prática de meditação andando. Esse estágio não é fácil de ser alcançado, mas uma vez que os iogues o alcancem, eles terão a garantia de renascer em um destino feliz, exceto, é claro, se eles decaírem desse estágio.

Quando os iogues compreenderem a mente e a matéria surgindo e desaparecendo a cada momento, eles irão então compreender a impermanência do processo de levantar o pé e eles também compreenderão a impermanência da consciência desse movimento. A ocorrência do desaparecimento após o surgimento é uma marca ou característica pela qual compreendemos que algo é impermanente. Se queremos determinar se algo é impermanente ou permanente, devemos tentar ver, através do poder da meditação, se aquela coisa está ou não sujeita ao processo de vir a ser e depois desaparecer. Se a nossa meditação for suficientemente poderosa para nos permitir ver o surgimento e desaparecimento dos fenômenos, então podemos concluir que os fenômenos observados são impermanentes. Dessa forma, os iogues observam que existe o movimento de levantar e a consciência desse movimento, e depois essa seqüência desaparece dando origem ao movimento de empurrar para a frente e a consciência de empurrar para a frente. Esses movimentos simplesmente surgem e desaparecem, surgem e desaparecem, e os iogues podem compreender esse processo por si mesmos – eles não precisam aceitar isso baseados na confiança em alguma autoridade externa, nem precisam acreditar na naquilo que uma outra pessoa possa lhe dizer.

Quando os iogues compreendem que a mente e a matéria surgem e desaparecem, eles compreendem que a mente e a matéria são impermanentes. Quando eles vêm que elas são impermanentes, em seguida eles compreendem que elas são insatisfatórias porque estão sempre oprimidas pelo constante surgimento e desaparecimento. Após compreender a natureza impermanente e insatisfatória das coisas, eles observam que não é possível ter o domínio sobre essas coisas; isto, é, os iogues compreendem que não existe um eu ou alma interna que possa fazer com que elas sejam permanentes. As coisas simplesmente surgem e desaparecem de acordo com a lei da natureza. Ao compreender isso, os iogues compreendem a terceira característica dos fenômenos condicionados, a característica de anatta, a característica que mostra que as coisas não possuem um eu. Um dos significados de anatta é o não domínio – significando que nada, nenhuma entidade, nenhuma alma, nenhum poder tem domínio sobre a natureza das coisas. Assim, a esta altura, os iogues compreenderam as três características de todos os fenômenos condicionados: impermanência, sofrimento e o não eu - em Pali, anicca, dukkha, e anatta.

Os iogues podem compreender essas três características observando atentamente o mero levantar do pé e a consciência do levantamento do pé. Ao prestar bastante atenção aos movimentos eles podem ver as coisas surgindo e desaparecendo, e por conseguinte podem ver por si mesmos a natureza impermanente, insatisfatória e não eu de todos os fenômenos condicionados.

Examinemos agora em mais detalhe os movimentos da meditação andando. Suponham que se filmasse o levantamento do pé. Suponham também que o levantamento do pé demorasse um segundo e digamos que a câmera filma trinta e seis quadros por segundo. Depois de filmar, se olharmos os quadros separados, nos daremos conta que dentro do que pensávamos ser um movimento de levantar, houve na verdade trinta e seis movimentos. A imagem em cada quadro é ligeiramente distinta das imagens dos demais quadros, embora a diferença seja tão sutil que mal possa ser notada. Mas e se a câmera pudesse filmar mil quadros por segundo? Então haveriam mil movimentos em apenas um movimento de levantar, embora fosse quase impossível diferenciar os movimentos. Se a câmera pudesse filmar um milhão de quadros por segundo – que é impossível na atualidade, mas que talvez algum dia seja – então haveria um milhão de movimentos naquilo que pensávamos ser apenas um movimento.

Nosso esforço na meditação andando é de ver os nossos movimentos com a mesma precisão com a qual a câmera os vê, quadro a quadro. Também queremos observar a consciência e a intenção que precede cada movimento. Também podemos apreciar o poder da sabedoria e insight do Buda, por meio dos quais ele, na verdade, viu todos os movimentos. Quando usamos a palavra “ver” ou “observar” para nos referirmos à nossa própria situação, queremos dizer que vemos diretamente e também por inferência; talvez não sejamos capazes de ver diretamente todos os milhões de movimentos tal como o Buda.

Antes que os iogues comecem a praticar a meditação andando, eles talvez pensem que um passo é apenas um movimento. Após meditar sobre esse movimento, eles observam que existem pelo menos quatro movimentos, e se eles se aprofundarem, irão compreender que mesmo um desses quatro movimentos consiste de milhões de movimentos muito pequenos. Eles vêm nama e rupa, mente e matéria, surgindo e desaparecendo, como impermanentes. Através da nossa percepção comum, não somos capazes de ver a impermanência das coisas porque a impermanência está escondida pela ilusão da continuidade. Pensamos que vemos apenas um movimento contínuo, mas se olharmos com cuidado veremos que a ilusão da continuidade pode ser rompida. Pode ser rompida através da observação direta dos fenômenos físicos parte por parte, segmento por segmento, como eles se originam e se desintegram. O valor da meditação está na nossa habilidade em remover o manto da continuidade de forma a descobrir a verdadeira natureza da impermanência. Os iogues podem descobrir a natureza da impermanência diretamente, através do seu próprio esforço.

Depois de compreender que as coisas são compostas de segmentos, de que elas ocorrem em partes e depois de observar esses segmentos um a um, os iogues irão compreender que realmente não existe nada neste mundo a que se apegar, nada a cobiçar. Se virmos algo, que um dia consideramos belo, com falhas, decaindo e desintegrando, perderemos interesse por ele. Por exemplo, podemos ver um bela pintura numa tela. Pensamos na pintura e na tela conceitualmente como um todo, uma coisa sólida. Mas se colocássemos a pintura sob um microscópio poderoso, veríamos que a pintura não é sólida – ela possui muitos buracos e espaços. Depois de ver que a pintura está composta em grande parte por espaços, perderíamos interesse por ela e abandonaríamos o nosso apego por ela. Os físicos modernos conhecem bem essa idéia. Eles observaram, através de instrumentos poderosos, que a matéria não passa de partículas vibrando e energia em constante mutação – não existe nada de sólido nela. Compreendendo essa impermanência sem fim, os iogues compreendem que não existe realmente nada que cobiçar, nada que se apegar em todo o mundo dos fenômenos.

Agora podemos compreender as razões para a prática da meditação. Praticamos meditação porque queremos remover o apego e a cobiça pelos objetos. É compreendendo as três características da existência – impermanência, sofrimento e o não eu – que removemos a cobiça. Queremos remover a cobiça porque queremos deixar de sofrer. Enquanto existir a cobiça e o apego haverá sempre o sofrimento. Se não quisermos sofrer, precisamos remover a cobiça e o apego. Precisamos compreender que todas as coisas são apenas mente e matéria surgindo e desaparecendo, que as coisas não possuem substância. Uma vez que compreendamos isso, seremos capazes de remover o nosso apego às coisas. Enquanto não compreendermos isso, não importa quantos livros leiamos, ou palestras ouçamos, ou o quanto falemos a respeito da remoção do apego, não seremos capazes de remover o apego. É necessário ter a experiência direta de que todas as coisas condicionadas possuem as marcas das três características.

Portanto precisamos prestar bastante atenção quando estamos caminhando, igual quando estivermos sentados ou deitados. Não estou dizendo que apenas a meditação andando possa nos proporcionar a realização última e a habilidade para remover o apego completamente, mas ela é uma prática válida tal como a meditação sentada ou qualquer outro tipo de meditação vipassana (insight). A meditação andando conduz ao desenvolvimento espiritual. É tão poderosa quanto a atenção plena na respiração ou a atenção plena na expansão e contração do abdomen. É uma ferramenta eficiente para nos auxiliar na remoção das impurezas mentais. A meditação andando pode nos ajudar a obter o insight da natureza das coisas, e por isso deveríamos praticá-la com a mesma diligência com que praticamos a meditação sentada ou qualquer outro tipo de meditação.

Que vocês, através da prática da meditação vipassana em todas as posturas, incluindo andando, possam alcançar a completa purificação nesta mesma vida!

quarta-feira, 4 de maio de 2011

As Cinco Faculdades Espirituais

Por

Bhikkhu Bodhi

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A prática dos ensinamentos do Buda é mais comumente descrita pela imagem de uma jornada e os oito fatores do Nobre Caminho Óctuplo constituindo a estrada real pela qual o discípulo deve viajar. As escrituras Budistas, no entanto, ilustram a busca pela libertação de várias outras formas e cada uma delas projetando uma luz distinta sobre a natureza da prática. Embora as formulações alternativas inevitavelmente se apóiem sobre o mesmo conjunto básico de fatores mentais como aqueles que compõem o caminho óctuplo, elas estruturam esses fatores ao redor de uma "metáfora raiz" distinta - uma imagem que evoca um conjunto particular de associações e que destaca diferentes aspectos do esforço para alcançar a cessação do sofrimento.

Um dos grupos de fatores, que recebe uma proeminência especial nos Suttas, incluído pelo Buda entre os trinta e sete apoios para a iluminação, é o das cinco faculdades espirituais: as faculdades da convicção, energia, atenção plena, concentração e sabedoria. O termo indriya, faculdades, aplicado a esse grupo como um todo é derivado do nome do antigo deus Indra dos Vedas, soberano dos devas e o termo conseqüentemente sugere a qualidade divina de controle e domínio. As cinco faculdades são designadas dessa forma porque elas exercem controle nos seus compartimentos específicos da vida espiritual. Tal como o deus Indra venceu os demônios e obteve a supremacia entre os devas, da mesma forma cada uma das cinco faculdades é requisitada para subjugar uma deficiência mental em particular e para dirigir a potência mental correspondente em direção ao rompimento das barreiras para a alcançar a iluminação.

O conceito das faculdades é de certa forma semelhante ao antigo conceito Grego das virtudes. Tal como as virtudes, as faculdades são poderes ativos que coordenam e canalizam as nossas energias naturais, dirigindo-as para alcançar a harmonia e o equilíbrio internos essenciais para a nossa verdadeira felicidade e paz. Visto que as faculdades devem servir como agentes de controle interno, isto implica que, exceto por sua influência de contenção, nossa natureza não se encontra sob nosso controle. Deixada por sua própria conta, sem o governo de uma fonte superior de orientação, a mente é vítima de forças que crescem dentro de si mesma, forças tenebrosas que nos mantêm subjugados e que evitam que alcancemos o nosso mais elevado bem estar e verdadeira bondade. Essas forças são as contaminações (kilesa). Enquanto vivermos e agirmos sob o seu domínio não seremos senhores de nós mesmos, mas apenas peões passivos, compelidos pelos nossos desejos cegos a agir de formas que prometem satisfação mas que no final conduzem apenas à miséria e escravidão. A verdadeira felicidade envolve necessariamente alcançar a autonomia interna, a força para resistir aos puxões e empurrões dos nossos apetites, e isso é alcançado precisamente através do desenvolvimento das cinco faculdades espirituais.

As qualidades que exercem a função de faculdades possuem origem humilde, aparecendo inicialmente em papéis mundanos ao longo da nossa vida diária. Nessas formas humildes elas se manifestam como a convicção honesta em valores superiores, como o vigoroso esforço em direção ao bem, como a consciência atenta, como a concentração focada e como a compreensão inteligente. O ensinamento do Buda não implanta essas inclinações na mente a partir do nada, mas explora essas capacidades preexistentes na nossa natureza dirigindo-as a um objetivo supramundano - na direção da realização do Incondicionado – atribuindo-lhes, dessa forma, um significado transcendente. Ao atribuir-lhes uma tarefa que revela o seu imenso potencial e ao guiá-las por um caminho que pode permitir a realização desse potencial, o Dhamma transforma esses fatores mentais comuns em faculdades espirituais, instrumentos poderosos na busca pela libertação, que são capazes de penetrar as mais profundas leis da existência e abrir as portas para o Imortal.

Na prática do Dhamma cada uma dessas faculdades tem que simultaneamente desempenhar a sua própria função específica e se harmonizar com as demais faculdades para estabelecer o equilíbrio necessário para a clara compreensão. As cinco faculdades alcançam a completa maturidade no desenvolvimento do insight através da meditação, o caminho direto para o despertar. Nesse processo, a faculdade da convicção proporciona o elemento de inspiração e aspiração que dirige a mente para longe do pântano da dúvida estabelecendo-a com tranqüila convicção na Jóia Tríplice como a base suprema para a libertação. A faculdade da energia acende o fogo do esforço sustentado que queima os obstáculos e causa a maturação dos fatores que amadurecem com o despertar. A faculdade da atenção plena contribui com a clara consciência, o antídoto para o descuido e o pré-requisito para o entendimento. A faculdade da concentração mantém o foco da atenção, calmo e controlado, firmemente focado na origem e cessação dos eventos corporais e mentais. E a faculdade da sabedoria, que o Buda chama de virtude máxima entre os apoios para a iluminação, remove a penumbra da ignorância e ilumina as verdadeiras características dos fenômenos.

Da mesma forma que as cinco faculdades, consideradas individualmente, desempenham, cada uma, as suas tarefas únicas em seus respectivos domínios, como um grupo elas executam a tarefa coletiva de estabelecer o equilíbrio interno e a harmonia. Para obter esse esforço equilibrado, as faculdades são divididas em pares nos quais cada membro deve contrapor a inerente tendência indesejável do outro, permitindo assim que realizem o seu pleno potencial. As faculdades da convicção e da sabedoria formam um par, tendo como objetivo equilibrar a capacidade para a fé e a compreensão; as faculdades da energia e da concentração formam um segundo par tendo como objetivo equilibrar a capacidade para o esforço ativo e a calma contemplação. Acima dos pares complementares encontra-se a faculdade da atenção plena que protege a mente dos extremos e assegura que os membros de cada par mantenham um ao outro em um refreamento mútuo, uma tensão que os enriquece mutuamente.

Nascidas de origens humildes nas funções do dia a dia da mente, através do Dhamma as cinco faculdades adquirem um destino transcendente. Quando elas são desenvolvidas e cultivadas com regularidade, diz o Mestre, "elas conduzem ao Imortal, têm como destino o Imortal, culminam no Imortal".

domingo, 1 de maio de 2011

A Visão Budista da Morte

Uma entrevista com Bhante Gunaratana, com Samaneri Sudhamma e Margot Born



MB: Qual é a visão geral Budista sobre a morte?

Bhante Gunaratana: Primeiro, a definição. Quando a força vital – calor e consciência – cessam de existir, a isso chamamos de morte. A morte pode ocorrer: (1) quando o kamma da pessoa estiver esgotado; (2) quando o tempo de vida da pessoa estiver esgotado, isto é, a duração daquela vida em particular ( a pessoa só pode viver aquele tanto e depois disso tem que morrer); (3) Quando ambos o kamma e o tempo de vida se esgotam juntos; (4) quando a vida termina devido a acidentes, causas não naturais. Essas são as maneiras como a morte pode ocorrer.

Mas no Budismo a morte não é o fim completo da existência. A morte é apenas o encerramento de um capítulo e o capítulo seguinte é aberto imediatamente em seguida. Esses dois sempre ocorrem imediatamente em seguida – morte e renascimento.

Sudhamma: As pessoas estão sempre preocupadas com como se preparar para a morte. Talvez existam dois níveis que devam ser tomados em conta. Sendo que, um é sobre como preparar a mente comum para esse evento, ou, o que é adequado fazer no momento da morte. E o outro é como superar o ciclo de nascimento e morte. Em outras palavras, como se preparar para a morte, não estando mais sujeito à morte .

Bhante Gunaratana: Entendo. Queremos conversar sobre dois tipos de morte. Uma é a morte convencional e a outra é a morte final. A morte convencional também tem dois lados, uma é a morte momento a momento, a outra é a morte “real” da qual não é possível reviver. Na morte momento a momento, parece que você sobreviveu. Você ainda existe. Mas na verdade, tudo no corpo e na mente está morrendo a cada instante. E está sendo renovado – está renascendo. A repetição de morte e renascimento não parece estar ocorrendo. Parece que estamos vivos. Mas você tem que compreender que a morte ocorre a cada instante. Compreender essa verdade é o passo mais importante na preparação para a morte. Isso é compreender o significado da morte. Se compreendermos isso, compreenderemos que a morte “real” é apenas mais um momento. E até aquele momento eu já terei morrido trilhões de vezes. Cada um desses momentos foi uma morte momentânea.

MB: E isso, creio, é o que compreendemos através da meditação?

Bhante Gunaratana: Sim, isso é o que compreendemos através da meditação. Na verdade, se você pratica meditação de insight e meditação de concentração, uma ajuda a entender a outra. Assim, se você tiver um insight irá compreender o que é concentração. Se você estiver concentrado irá compreender o que é insight. Com a mente concentrada e com atenção plena, você realmente sente, experimenta e compreende essa morte momentânea. Você sente as palpitações, o batimento cardíaco, as vibrações nervosas, as sensações mudando, as percepções mudando e cada pensamento mudando.

Mudança, significa unicamente morte momentânea. Quando as coisas mudam, elas nunca podem ser revividas. Quando um pensamento momentâneo está morto, aquele pensamento momentâneo nunca mais irá reaparecer. A morte de uma célula quer dizer que quando ela morre, está terminada. Aquela célula nunca tornará a reviver. Ela não deve permanecer no corpo. Tem que ser descartada, expelida do corpo, para que outras células possam crescer e se desenvolver. Se elas não forem descartadas pelo corpo, elas crescerão em número e poderemos desenvolver câncer.

Uma vez morta, a célula tem de ser descartada, exatamente como quando o corpo humano morre, ele tem que ser descartado. Tem que ser tirado da casa. Tem que ser levado para algum lugar para ser enterrado ou queimado para que os demais possam viver uma vida saudável, higiênica.

Esse tipo de coisa está ocorrendo o tempo todo. Através da meditação Vipassana vemos a morte momento a momento, nós a experimentamos, nós a conhecemos, tornamo-nos plenamente conscientes dela, e essa é a maneira de se preparar para a morte. Assim nos preparamos para a morte “real” no nível experiencial.

Além disso, nos preparamos para a morte “real” encarando-a de forma lógica. Você apenas precisa abrir os olhos e olhar à sua volta. Tudo está morrendo o tempo todo. Você pode notar que as árvores, plantas e insetos morrem o tempo todo. Ao ter vivido quarenta anos, por exemplo, se você contar o número de amigos, parentes e conhecidos que já morreram, você deveria um dia sentar e pensar, “Desta maneira eu devo entender que com a quantidade de amigos, parentes e conhecidos – com todas essas pessoas que já morreram, em algum momento será a minha vez. Portanto, eu sei que irei morrer, meus amigos, colegas de escola, um a um, um a um, morreram. A minha vez deve estar chegando.” Essa é uma outra forma de encarar a morte.

Uma outra maneira lógica de encarar a morte é pensar que todos nós somos feitos de elementos impermanentes. Por exemplo, nós somos constituídos dos elementos: terra, água, fogo e ar. No entanto, amanhã eles não estarão mais presentes. Conseqüentemente, esses elementos não serão nunca permanentes. Os elementos que constituem o corpo estão sujeitos à morte, à impermanência. Por isso o seu produto também será impermanente. Não há como parar isso. Então, examinar os elementos que constituem o corpo é uma outra maneira lógica de encarar a morte.

Uma vez que tenhamos compreendido a verdade da morte, deveríamos pensar, “Agora que irei morrer, porque deveria ter orgulho de alguma coisa? Estou intimidado pelo pensamento da morte, não tenho nenhum motivo para ter orgulho de nada. Não tenho motivo para estar ressentido com ninguém. Cedo ou tarde irei morrer e não tenho motivo para tentar apegar-me a qualquer coisa. Não importa a firmeza com a qual eu me apegue ao que quer que seja, isso irá escapar da minha mão no momento da separação. Portanto, também não preciso da cobiça. Penso que, se não me apegar à cobiça, minha morte será bem pacífica.”

A próxima coisa a pensar é, “Eu sei que irei morrer, penso que é bom morrer de forma pacífica, portanto devo me preparar para isso. Que eu esteja em paz o tempo todo.” Isso não quer dizer que você irá deitar no meio da rua para ser atropelado ou que você deve tomar veneno, ou se suicidar. Essa não é a forma de obter paz. Temos que viver esta vida enquanto ela durar. Temos que continuar com o que estamos fazendo. Portanto, precisamos pensar, “Como irei morrer de qualquer jeito, devo morrer em paz.” Para morrer em paz precisamos preparar as nossas mentes para estarem em paz. Uma morte pacífica é uma morte sem dor.

MB: Você poderia nos falar um pouco sobre a dor física devido à enfermidade?

Bhante G: Sim, quando meditamos sentimos dor física, por exemplo, dores nos joelhos. Podemos usar essa dor para nos prepararmos para a dor de uma enfermidade terminal. A dor no joelho é igual à dor de um câncer. Penso que se um câncer afetar o nosso sistema nervoso então sentiremos dor o tempo todo. O que quer que façamos, os nervos estando expostos, sentiremos dor.

Por isso precisamos preparar as nossas mentes aprendendo a praticar a meditação das sensações. Determinamo-nos a observar sempre as nossas sensações, seja ela qual for, mesmo uma pequena dor de dente, dor no pescoço, qualquer dor por menor que seja. Se estamos experimentando dor, meditamos sobre ela. Quando a dor surge, nós focamos a atenção nela. Vemos como ela surge, quanto tempo permanece, e depois nós a vemos desaparecer. Por menor que seja a dor, ela possui sempre esses três estágios, o seu momento de surgimento, o seu momento de pico e o seu momento de desaparecimento.

Se condicionarmos a nossa mente a permanecer com a dor, ou com aquela sensação, então a nossa mente poderá ser absorvida por aquela sensação e tornar-se uma só com ela. Se nos voltarmos contra a dor, estaremos nos dividindo. Mas se tentarmos aceitar tudo que surgir, iremos nos absorver naquilo. Mesmo quando sentimos uma dor intensa, chegaremos a um ponto em que a mente não é mais capaz de tolerar a dor e então a mente se funde com a dor. Depois disso, o que acontece já não tem importância.

Assim, antes que a morte ocorra, aprendemos a aceitar e a permanecer de bom grado com a dor, aprendemos a observá-la e a não ficar preocupado com ela. Quanto mais nos preocuparmos com a dor, mais doloroso será. Quanto mais relaxarmos com a sensação, menos doloroso será. Tive alguns amigos que morreram com dores físicas terríveis. Eles se recusavam a tomar medicamentos. Apesar disso, eles até explicavam para as visitas onde o câncer estava, como havia se desenvolvido e em que estágio se encontrava. Ao invés das visitas consolarem o paciente, era o paciente quem consolava as visitas.

O paciente pensava que as visitas vinham por compaixão, simpatia, para encorajá-lo, mas ao relaxar com a dor, era ele quem dava compaixão, simpatia e encorajamento para as visitas. Deste modo, a dor física numa enfermidade terminal não é necessariamente um obstáculo para uma morte pacífica.

MB: Mas e quando a pessoa ultrapassou o limite tolerável da dor, quando se torna impossível relaxar e absorver-se na dor?

Bhante G: Você sabe, existem dores que uma pessoa é incapaz de tolerar e nesse caso a medicação é necessária. Mas nós podemos primeiro tentar aumentar a tolerância à dor condicionando a mente e preparando-a para aceitar a dor física. Podemos condicionar a mente aconselhando de forma gentil e suave que a pessoa medite. Podemos entoar alguns cânticos que acalmam e tranqüilizam, tocar música que acalme e tranqüilize para preparar a mente, para ajudar a mente a ficar em paz. Dar-lhe instruções sobre como meditar.

Não se esqueça que quando as mulheres sentem as dores do parto são orientadas para concentrar a atenção na respiração. Elas mantêm a respiração dentro de um certo ritmo. Ao empurrar o bebê para fora elas estão focando na respiração, no corpo e no ato de empurrar.

Essa é uma coisa muito bela para ser lembrada. Podemos usar essa informação para ensinar as pessoas. E essas mulheres dão à luz aos seus bebês com menos dor porque elas foram treinadas nesse procedimento. Assim treinamos a mente a aceitar a dor. Podemos usar essa informação das mulheres dando à luz para ensinar as pessoas que estão morrendo como lidar com a dor.

Assim, temos que treinar a mente. Ao invés de primeiro lidar com a dor física, aprendemos a lidar primeiro com a mente. Como esses dois estão sempre cooperando um com o outro, quando o corpo se acalma, a mente se acalma. Eles estão sempre se complementando.

MB: Qual a sua opinião quanto às drogas usadas para eliminar a dor?

Bhante G: Eu penso que elas possuem efeitos colaterais. Elas podem reduzir a sua pressão arterial. Algumas pessoas não podem tomá-las, e elas podem ser muito perigosas. Há um limite para a dosagem que pode ser mantida na corrente sanguínea da pessoa.

Mas a meditação foi inventada muito antes da descoberta dos medicamentos. Nos dias de hoje as pessoas não dão muita atenção ao treinamento espiritual e vão direto para os narcóticos ou drogas para eliminar a dor. Agora queremos inverter a ordem porque o tratamento espiritual é mais saudável que o tratamento químico.

As pessoas tomam todo tipo de pílulas, você sabe, e todas elas têm efeitos colaterais, particularmente depois de usadas durante muito tempo. Mas o treinamento espiritual nunca terá efeitos colaterais. Ele é sempre positivo. Sempre prolonga a sua vida. Mas se ele tiver qualquer efeito colateral, será para melhorar a sua vida, dando um novo sabor a ela. Se você realizar essas práticas enquanto enfermo, ao se recuperar, elas produzirão um efeito pacífico que se prolongará para além da recuperação daquele estado doloroso.

Agora, para retornar ao tema da morte. Na verdade nos desviamos um pouco, porque a enfermidade pode ser a causa da morte e a enfermidade provoca dor. Morrer de forma rápida, sem dor, não é nenhum problema. Por esta razão, creio que falar sobre a dor é essencial em qualquer discussão sobre a morte.

Sudhamma: Falamos sobre dois tipos de morte: momento a momento e a “real.” Em certo ponto você falou sobre abandonar os ressentimentos e a cobiça e ter uma mente pacífica. O que você queria dizer com isso?

Bhante G: Gostaria de falar sobre a morte permanente, isto é, morrer para nunca mais renascer. Vocês estão cansados desses nascimentos e mortes, momento a momento, vida após vida. Assim, um momento inicia e termina e um outro inicia e termina. Uma vida inicia e termina e outra inicia e termina. Ficamos cansados disso tudo. Então queremos a morte e não renascer nunca mais.

A morte causa o nascimento porque existe o desejo de renascer. Enquanto existir esse desejo, haverá o renascimento. Quando o desejo de renascer estiver extinto, então não haverá mais renascimento.

E isso nos leva ao último estágio da iluminação.

Sudhamma: Quando você estava falando sobre a morte, você falou sobre “fazer com que a mente fique em paz” e disse algo sobre “Que eu tenha uma mente pacífica. Que eu tenha uma morte pacífica.” Esse tema foi concluído?

Bhante G: Sim, mas eu gostaria de mencionar uma outra coisa. Quando a morte está se aproximando, com freqüência a pessoa sente remorso, pesar e culpa. Essa é uma outra razão para sentir medo. Como ela sabe que irá renascer e que fez muitas coisas erradas, no momento da morte ela se lembra disso. A isto se denomina “o pensamento mais próximo da morte”. Nesse pensamento, naquele instante que antecede a morte, ela se lembra de forma clara, como um relâmpago, de certas coisas que aconteceram durante a sua vida. A morte também é dolorosa sob o ponto de vista psicológico.

Então, quando uma pessoa está morrendo, pessoas cheias de compaixão ajudam-na a ter uma morte pacífica contando-lhe as boas coisas que ela fez. Por exemplo, se ela criou filhos, elas poderão falar- lhe sobre o quanto ela fez pelas crianças e sobre todas as outras coisas boas que ela tenha feito para os outros. Se ela tiver irmãos e irmãs, elas poderão relembrar as boa ações que ela tenha realizado. Qualquer coisa positiva que ela tenha feito, tal como, plantar árvores, limpar a rua, podem ser lembradas, com convicção.

Além disso, elas podem sugerir que ela pense em um objeto que traga paz, como o Buda, uma luz celestial, a tranqüilidade e a paz, a alegria que teve na vida, para tentar bloquear os pensamentos negativos. Da mesma forma, se você conhecer uma pessoa religiosa, um monge ou sacerdote ou alguém semelhante, chame-o e peça que ele faça um sermão. Embora a pessoa que esteja morrendo possa no passado ter odiado sermões, agora ela irá ouvir os sermões com vontade, pois não existe nada mais a ser feito.

Essas são, portanto, as coisas que uma pessoa que esteja morrendo pode fazer e que outras pessoas podem fazer para ajudá-la a morrer em paz.

MB: Eu estive lendo um livro de Philip Kapleau (The Wheel of Birth and Death). Ele fala de um modo que me deixou com dúvidas sobre o eu, o não-eu e a morte. Depois de ler o livro eu pensei, “Como pode existir a morte, se não existe nada para morrer?”

Bhante G: Isso soa bastante abstrato – dizer que não existe nada para morrer. Essa é a base filosófica do que estamos fazendo. Em última análise, nada existe. E quando nada existe, não existe nada para morrer.

Mas você tem que ter um estado mental muito poderoso para ter esse tipo de pensamento no momento da morte. Muito antes da morte, enquanto ainda estiver saudável, você poderá ter esse tipo de pensamento, mas no momento da morte os seus sentidos estarão enfraquecidos. A sua capacidade para pensar estará enfraquecida. Quando você está à beira da morte, tudo fica mais fraco.

De acordo com o Abhidhamma, existe neste momento um fluxo fraco de consciência. O processo cognitivo é mais curto. Em outras circunstâncias, o processo cognitivo possui dezessete momentos. Quando vem a morte, o processo cognitivo tem quinze ou treze momentos. Como tudo está muito fraco, quando você está quase morto, o que resta é apenas um pouco de consciência. Você não está interessado em nada nessa situação. Eu não creio que a filosofia poderia ajudar muito.

MB: Eu também estive lendo um livro do Stephen Levine (Who dies? An investigation of conscious living and conscious dying) e ele diz que se você conseguir compreender que de todos os modos não existe nada a que se apegar, você não terá tantos problemas para se soltar das coisas no fim. Nesse livro ele apresenta muitas meditações sobre como se soltar das coisas.

Bhante G: Essa é uma boa idéia. A pessoa precisa ser lembrada do fato de que ela comeu tantas vezes ao longo da sua vida e que todas aquelas refeições se foram. O que restou delas agora? Todas as atividades, todos os pensamentos, todas as posses materiais se foram.

Portanto, não importa quanto tentemos nos agarrar a algo, isso irá escapar das nossas mãos. E é uma boa idéia fazer com que as pessoas tenham consciência disso. Quanto mais tempo você se apegar mentalmente, mais doloroso será. É como apertar o punho. Quanto mais você aperta o punho mais doloroso é. Ao abrir o punho e relaxá-lo você sentirá alívio e conforto.

Do mesmo modo, neste momento, se você liberasse a sua ansiedade, tensão, aperto, sentiria o alívio da dor, relaxamento. Esse é um bom pensamento – soltar-se das coisas. E essa é outra coisa que fazemos na meditação Vipassana. Soltamo-nos das coisas. Desfrutamos delas enquanto nos dão prazer, mas não nos agarramos a elas. Coma, se for saboroso e desfrute o sabor! Mas se não for saboroso, se for desagradável, não se agarre nisso!

Sudhamma: Quando você começou a falar sobre a morte disse que havia a morte convencional e a morte final. Fale sobre a morte final.

Bhante G: A morte final é a morte da pessoa iluminada. Uma pessoa iluminada tem o seguinte tipo de pensamentos. Primeiro ela pensa, “Bem, fiz o que devia ser feito. Não há mais nada por fazer.” Esse é um dos mais perfeitos e maravilhosos pensamentos para se ter na mente. Podemos morrer a qualquer momento. Não devemos esperar para ter esse pensamento. A qualquer momento podemos pensar, “Fiz tantas coisas na minha vida. Essas são as coisas que eu deveria ter feito e eu as fiz. O que estou fazendo agora são coisas adicionais, tarefas adicionais em relação às minhas tarefas originais. Posso muito bem ficar sem essas tarefas adicionais.”

As tarefas adicionais são os serviços prestados ao mundo por uma pessoa iluminada. Ela não precisa deles, mas o corpo e a mente ali estão, e existem seres que sofrem, então porque não viver de forma útil e com atenção plena para o benefício deles. Assim ele diz, “Para mim não há nada mais a ser feito. Eu fiz tudo.”

Segundo, e esse é o pensamento racional da pessoa iluminada, ele está baseado na libertação da mente da pessoa iluminada. Ela pensa, “Estou liberada.” Esse tipo de pensamento aparece na sua mente sem qualquer esforço, naturalmente.

Por outro lado, sempre que ela pensa no seu corpo, ela compreende a sua natureza e isso não gera apego. Ela se encontra num estado de soltar-se de todas as coisas. Deste modo, ela não tem nada pessoal a que se apegar – nenhum ser ou pensamento, ou coisa. Isso também ocorre de forma natural.

Mas em outros casos, apesar de ter se soltado de tudo, a pessoa pode ainda possuir o desejo de renascer. Talvez ela queira renascer num lugar melhor ou se viveu esta vida com serenidade, teve uma vida ideal com uma esposa ideal, poderá dizer, “Gostaria de ter essa esposa na minha próxima vida. Gostaria de renascer e ter o mesmo tipo de vida que tive, o mesmo conforto, a mesma satisfação emocional, espiritual que fez esta vida tão pacífica. Portanto, que eu tenha esta vida novamente.” Então não importa quão nobre a pessoa seja, ela terá a mesma vida novamente. Ela irá renascer porque, a despeito da sua nobreza, ainda possui desejo.

Mas uma pessoa iluminada é mais nobre. Quem está liberado não possui sequer esse desejo. Ele sabe que até mesmo esse desejo é criado pela mente. Que isso é sankhara (formação mental condicionada e impermanente).

Qualquer sankhara, não importa quão completo e benéfico aparente ser, é impermanente, Além disso, uma pessoa iluminada sabe que a sua morte está extinta, isto é, que ela nunca irá morrer outra vez. Para morrer outra vez é necessário nascer outra vez. “Portanto esta é a minha última morte. Este é o meu último nascimento. Para mim não há mais nascimento, não há mais morte. Não há nada além disso.” Ele alcança a sua realização.

Por conseguinte, isso é o que chamamos de morte final.

Quando uma pessoa iluminada se aproxima da morte final, ela não necessita de nenhum meio de consolo à sua volta para ajudá-la, isto é, mestres e outros para consolar o seu corpo e a sua mente.

Essa pessoa não terá nenhuma recordação daquelas que surgem no momento próximo da morte. Uma pessoa comum se lembra das coisas que fez, seu kamma; e teme o lugar onde irá renascer. A isto se denomina o “sinal.” Ela terá o sinal do lugar em que irá renascer. Isso significa que no momento da morte, se você for renascer, pode ser que veja a sua mãe humana. Se for renascer como animal, verá o animal.

Sudhamma: Como uma face?

Bhante G: Como uma visão.

Sudhamma: Uma pessoa? Um útero?

Bhante G: Se for um renascimento humano, talvez umidade, como num útero. Pode ser que você veja um útero e sinta como é estar num útero. Se você for renascer como humano poderá ver isso. Se for renascer como um ser divino, verá um lugar cheio de paz.

Mas, quando a morte final se aproxima, você não vê nenhum desses sinais. Por isso é chamada “sem sinais.” Não existe um sinal naquele momento.

E essa é a visão Budista do nascimento, morte e libertação.
As Quatro Nobres Verdades


Bhante Henepola Gunaratana



Todo o conjunto dos ensinamentos do Buda giram ao redor desse tópico. Depois de quarenta e cinco anos de serviço para a humanidade, o Buda disse “Bhikkhus, todos estes anos eu apenas lhes ensinei quatro palavras.” Em outra ocasião ele disse: “Bhikkhus, eu lhes ensinei tudo sem manter nada em segredo.”

Ele tomou algumas folhas da floresta e perguntou o que era maior, a quantidade de folhas na sua mão ou a quantidade das folhas na floresta. Os bhikkhus responderam que as folhas na mão dele comparadas com as folhas na floresta eram insignificantes. A floresta possuía mais folhas do que aquelas na mão dele.

Analisando essas afirmações, elas parecem contraditórias. A primeira, quando ele disse que ensinou apenas quatro palavras e depois disse que ensinou tudo sem manter nada em segredo. Uma outra, quando ele disse que o que ele havia ensinado era igual a quantidade de folhas na sua mão e aquilo que ele não havia ensinado era igual a quantidade de folhas da floresta.

Não há contradição. Significa que devemos conhecer as quatro palavras em Pali, não em Português. Elas são dukkha, samudaya, nirodha, magga. Em Português elas significam sofrimento, a causa do sofrimento, o fim do sofrimento e o caminho que conduz ao fim do sofrimento. Isso foi tudo que ele ensinou. Ao estudar a literatura Budista você encontra uma verdadeira selva.

É muito difícil para as pessoas conseguir por essa selva em ordem e encontrar essas quatro palavras. As pessoas ficam confusas. Nos dias de hoje é quase impossível, para muitas pessoas, conhecer aquilo que o Buda realmente ensinou. Por isso existem muitas coisas por aí que passam por ensinamentos do Buda.

Qualquer coisa que você leia em nome do Budismo, que não se encaixe dentro dessas quatro palavras que são o núcleo do ensinamento, pode colocar de lado sem nenhum problema. A palavra dukkha tem sido interpretada como insatisfatório porque a palavra sofrimento é muito desagradável. Ao ouvir a palavra você sofre. Você não quer nem ouvir a palavra, quanto mais entendê-la.

A essas quatro palavras foram adicionadas outras quatro palavras (em Pali), para indicar a sua função. Isto é, o entendimento perfeito, o abandono completo, a realização perfeita e o desenvolvimento perfeito. Você poderá começar por qualquer uma delas.

O entendimento perfeito é compreender a nossa situação, nosso problema, nossa insatisfação. As pessoas não compreendem isso. Elas tentam fazer de conta que isso não existe, tentam varrê-lo para debaixo do tapete. Elas dizem que isso não é verdade – a vida é agradável, bela, prazerosa, satisfatória. Não existe o sofrimento.

Assim é como as pessoas enganam a si mesmas, escondem a verdade, fazem de conta que não sofrem. É por isso que elas continuam permanecendo no samsara. O Buda descreveu o sofrimento em poucas palavras e elas abrangem tudo aquilo que diz respeito ao sofrimento.

Quando, antes de deixar a sua casa, o Buda viu as três marcas do sofrimento, ele compreendeu a sua profundidade. As três marcas que ele viu foram a velhice, a enfermidade e a morte. Essa não é uma experiência que impressione muita gente porque ela pode ser ignorada.

Velhice acontece para algumas pessoas, não para nós. Nós nunca envelheceremos. Enfermidade, algumas pessoas se enfermam, nós não nos enfermaremos. Algumas morrem, nós não morreremos. As pessoas podem simular dessa forma.

Siddhartha viu essas coisas desde a sua infância. É retratado nos livros que ao ver o homem idoso ele começou a tremer, refletindo sobre o que era aquilo, como se ele fosse uma pessoa muito estúpida que não soubesse nada. Ele na verdade era um gênio. Ele não precisava ver aquele homem velho para compreender a verdade da vida. Ele sabia que a vida é impermanente.

Desde a infância ele sabia da diferença entre ele e o seu pai. O seu pai era alto, velho e ele era jovem e pequeno. Ele deve ter visto muitas folhas nas árvores – algumas eram velhas, outras novas. Ele deve ter visto tudo isso e uma pequena coisa teria sido suficiente para despertar a sabedoria, o conhecimento que ele havia cultivado no samsara. Essa não era a primeira vez que ele compreendia o problema do sofrimento.

Quando ele viu o homem enfermo essa não foi a única vez que ele compreendeu que as pessoas adoecem. Desde a sua infância ele havia compreendido isso. Embora ele estivesse afastado de tudo isso ele compreendia tudo isso. Isso não era um segredo para ele. Quando ele viu essas três marcas no seu caminho para a cidade, esse foi um momento decisivo para a sua decisão de encontrar uma solução para o sofrimento.

Após alcançar a iluminação, no seu primeiro sermão ele descreveu o sofrimento. Ele disse aos cinco bhikkhus, o nascimento é sofrimento. Sofrimento de quem? Da mãe, do bebe, da sociedade? Na verdade é sofrimento de todos. Todos os bebes nascem, não com um grande sorriso.

Todos nascemos com um grande choro. Esse choro pode ser ouvido em todo o mundo. Esse choro continua até que a pessoa morra. Algumas vezes ele é ruidoso, outras queima internamente. Esse choro é um lamento por comida, roupas, medicamentos, papéis, veículos, estradas, casas, dinheiro e tantos outros problemas.

Todos nós temos esse lamento interior, a todo instante. Todos os problemas no mundo hoje e no futuro dependem do nascimento, desse lamento. Veja o que acontece no mundo.

Tudo está poluído – ar, água, a população se expandindo, guerras em toda parte, todos os tipos de enfermidade. Pense em todas as coisas que experimentamos no dia de hoje devido ao nascimento de todos nós. Bilhões de pessoas nasceram e bilhões de problemas foram criados no mundo. Todos podem ouvir esse lamento.

Se você pensar nisso, dirá que não quer voltar a nascer. Esta vida é o bastante. A isto se denomina não obter aquilo que se deseja. Obter aquilo que não se deseja é sofrimento. Essas são as duas tragédias na nossa vida, ambas são sofrimento. O Buda explicou o que significa não obter o que se deseja. Você não consegue um emprego, não vive em uma boa vizinhança, não tem uma boa casa, bom carro, você quer obter essas coisas, mas não as tem, por isso você sofre. Essa é uma análise superficial. Até mesmo uma criança poderá compreendê-la.

Um significado mais profundo de não obter aquilo que se deseja é quando pessoas inteligentes, bem instruídas, adultas, ao pensar e ponderar sobre os problemas que enfrentaram na vida, concluem que não necessitam mais de outras vidas. Esta é o bastante. Eu enfrentei as piores situações possíveis. Não quero mais outras vidas. Esta é o bastante. Esse é um desejo bastante honesto. O Buda disse que somente formulando esse tipo de desejo não é possível interromper o ciclo. Você foi pego na armadilha. Você não é capaz de evitar o próximo nascimento. Porque? Através do desejo você não elimina as causas para o próximo nascimento. No momento em que você pensou nisso, os fundamentos para a próxima vida já foram estabelecidos. Quer você goste ou não, você foi pego. Você não consegue escapar. Esse é o sofrimento de não obter aquilo que se deseja e obter aquilo que não se deseja. Você não quer renascer, mas renascerá.

Você poderá se perguntar porque devo obter aquilo que não quero? Não é justo. Eu sempre acabo obtendo aquilo que não quero. Você criou isso. Você preparou a si mesmo. O próximo passo é que ao nascer estamos crescendo. Começamos com uma célula e terminamos com três trilhões de células. Pensamos que isso é o suficiente. Não queremos crescer mais. Mas isso é parte do trato. Você fez um acordo. Você está crescendo. Pergunte a uma criança a idade que ela tem. Ela pode ter quase cinco anos e ela dirá que tem cinco anos. Ela quer se tornar um adulto e possui essa ansiedade de crescer. Essa ansiedade não cessa quando a criança cresce e se torna um adulto. Uma vez que ele alcança uma certa idade, ele quer parar esse crescimento. Mas ele não consegue. Ele iniciou esse processo e este segue sem interrupção. O crescimento em si não é doloroso. O que acontece na mente quando pensamos sobre o crescimento é que causa a dor. Não é a aparência do envelhecimento que é dolorosa ou o processo de crescimento em si que é doloroso. Quando pensamos a seu respeito é que surge a dor. Porque? Porque o crescimento nos leva a algum lugar. Nos leva numa direção e começamos a antecipar aquilo que irá ocorrer. Essa é outra coisa que não queremos. Ficamos chocados – as pessoas morrem. Eu morrerei. Esse pensamento é tão chocante. Se existe qualquer coisa que possamos fazer para impedir isso, nós a faremos. As pessoas gastam fortunas para impedir a morte, o crescimento. Não somente a cirurgia plástica mas muitas outras coisas também.

Todos nascemos com um bilhete de ida e não há recurso. Nos mantemos sempre na mesma direção porque as coisas são impermanentes. Por “coisas” queremos dizer que os agregados são impermanentes. Portanto essa impermanência é parte inerente do sistema. Eles são permanentemente impermanentes. A única coisa permanente é a impermanência. Assim seguimos sempre naquela direção. Quando nos damos conta de que não há como parar isso, ficamos muito insatisfeitos.

Isso é verdade? Como você pode dizer que o sofrimento existe na Índia, na África, no Sri Lanka, mas não em Melbourne na Austrália ou em Nova Iorque nos EUA? O sofrimento existe em todo lugar. É muito assustador quando você pensa a respeito disso – e é por essa razão que algumas pessoas dizem que o Budismo é pessimista. O Budismo diz a verdade. Mas o Buda não parou por aí. Ele disse que precisamos compreender, aceitar e entender isso como adultos. Quando os animais enfrentam esse tipo de situação, eles ficam muito ansiosos e sentem um grande sofrimento. Eles não compreendem nada. Nós não queremos ser assim. Queremos ser seres humanos inteligentes, adultos, maduros e responsáveis. Não queremos fujir desse fato. Queremos enfrentar isso mas e daí?

Tentamos descobrir porque sofremos. Qual é a causa? O Buda encontrou a causa. É o desejo, o apego. As pessoas não gostam de dizer que o desejo é a causa do sofrimento porque é através dele que se criam todas as coisas. O desejo é o criador. O desejo pode criar as coisas da forma como você quiser. Criamos coisas para esta vida e para a seguinte. O desejo é tão poderoso que pode criar coisas por muitas vidas. O desejo pode criar inúmeros renascimentos.

Nesta vida, tudo que desfrutamos em nome da civilização é criação do nosso desejo. Gostamos do conforto, das experiências agradáveis que conduzem à busca, à cobiça. Quando sentimos uma sensação agradável nós a cobiçamos. Quando temos cobiça nos dedicamos à busca. Quanta investigação você fez a respeito de várias coisas? Isso é causado pelo desejo. Como resultado da busca você encontra muitas coisas e decide quais aceitar e quais rejeitar. Quando você obtém o que quer, se torna mesquinho e quer protegê-la. Nesta mesma vida, lutamos usando armas, palavras e força física para proteger aquilo que temos. Esse é um dos aspectos do desejo. Não quer dizer que não desfrutemos de certas coisas. Por exemplo, em nome da civilização desenvolvemos tantas coisas, todos os recursos modernos. Milhões de coisas foram criadas à nossa volta devido ao desejo. E no entanto, isso nunca diminuiu o nosso desejo, não trouxe um só momento de verdadeira paz e felicidade. Só trouxe paz e felicidade temporárias e superficiais.

Por outro lado, como conseqüência do desejo surgem quatro tipos de apego. Os prazeres sensuais criam o desejo de renascer aqui ou ali. Por um lado quando pensamos nos problemas desta vida, não queremos renascer. Mas por outro lado quando pensamos nos prazeres que desfrutamos na vida queremos repeti-los, renascer repetidamente. Você quer renascer com uma certa pessoa na próxima vida. Quantas vezes você formulou esse juramento? É por isso que o Buda disse que uma vez que você experimente algo, irá querer repeti-lo. Essa é a natureza do desejo. Mas esse não é o sofrimento que o desejo causa. O sofrimento causado pelo desejo é perder aquilo que você tem. O prazer que você desfruta não lhe é fiel. Esse prazer irá lhe dar as costas, irá abandoná-lo, pois ele é impermanente. Você quer agarrar esse prazer impermanente mas ele desaparece. Aquela pessoa com quem você quer ficar para sempre lhe trai e poderá se tornar sua inimiga. Quando você não quer algo, não consegue evitá-lo. Depois de algum tempo você volta a querer e então tudo recomeça. Portanto, não existe felicidade permanente em qualquer coisa que desfrutemos. O desejo nos engana e isso é um convite a que repitamos as situações prazerosas. Assim é o desejo pela sensualidade.

Em segundo lugar, nós temos certas opiniões, idéias. Elas nos conduzem à dor a ao sofrimento. Temos um desejo por renascimentos repetidos. Onde quer que nasçamos iremos enfrentar os mesmos problemas, a impermanência e conseqüentemente o sofrimento.

Em seguida, a ignorância. Nos apegamos à nossa ignorância devido ao desejo. Isso nos traz muitos problemas, agora e no futuro. Quando dizemos que o desejo é a causa do sofrimento, as pessoas dizem que não. O desejo é a causa do prazer. O desejo é sempre desagradável, não bem vindo? Não. Existem certos tipos de desejo que queremos cultivar. Tal como o desejo de desenvolver o insight, de alcançar os jhanas, de nos livrarmos dos irritantes psíquicos, de sermos felizes todo o tempo. Esse tipo de desejo é chamado de desejo benéfico e é o desejo de ficar sem desejo. Queremos cultivar isso. Os desejos prejudiciais são a causa de toda a nossa dor e sofrimento.

A terceira verdade é a verdade do fim do sofrimento. O fim do sofrimento necessariamente é o fim do desejo. Muito simples. Se o desejo é a causa do sofrimento, o fim do sofrimento é o fim do desejo. Isto é o que se chama Nibbana. Ni significa ausência, ana significa desejo.

Compreender a primeira verdade, compreender a segunda verdade, compreender a terceira verdade, compreender a quarta verdade. Esse é o entendimento correto. É correto dizer que o Buda ensinou o Caminho do Meio. Também é correto dizer que o Buda ensinou as Quatro Nobres Verdades. Quer você diga o Caminho do Meio ou as Quatro Nobres Verdades, é a mesma coisa. Porque? No Caminho do Meio estão incluídas as Quatro Nobres Verdades. A isto se denomina o conhecimento, a ausência de ignorância. O que é a ignorância? Não compreender as Quatro Nobres Verdades é ignorância. Não compreender dukkha, não compreender a sua causa, não compreender o seu fim, não compreender o caminho que conduz ao seu fim é ignorância. O que é conhecimento? Conhecimento é compreender essas quatro coisas.

Quando existe ignorância existe a confusão. Ignorância é chamada de avijja. Delusão ou Confusão é chamada moha. Quando não conhecemos a verdade, construímos teorias. Formulamos todos os tipos de teorias. Teorias em relação ao mundo, ao eu. Todas as teorias do mundo estão baseadas nesses dois fatores. Quais são os dois fatores? A crença no eu e no mundo. Essas teorias nos confundem e a isso se denomina moha. Avijja é uma coisa, moha é outra. Moha é o resultado de avijja. Avijja é não compreender as Quatro Nobres Verdades.

O segundo elemento do Nobre Caminho Óctuplo é o Pensamento Correto. O que é o pensamento correto? O pensamento de renúncia, generosidade, amor bondade e compaixão. O Buda disse que se cultivarmos esses pensamentos, estaremos cultivando o pensamento correto. A generosidade não significa dar coisas para outras pessoas. Esse é um significado superficial. Tem o significado de generosidade mas não o significado completo. O significado mais profundo é o abandono de todas as formas de apego a qualquer coisa que seja material ou imaterial. Abandonar todo tipo de apego, apagá-lo, removê-lo da sua mente para que nunca mais retorne, a isto se denomina a verdadeira generosidade. Isso nós podemos conseguir, mas não de maneira muito rápida ou fácil. Somente quando atingimos o último estágio de iluminação é que alcançamos esse tipo de generosidade. Cada coisa que façamos em nome da generosidade, por menor que seja, nos conduzem para aquela realização.

Quando praticamos a meditação desenvolvemos a generosidade. Todas as vezes que demonstramos amizade para com alguém estamos cultivando o amor bondade. Todas as vezes em que praticamos a compaixão estamos desenvolvendo o pensamento correto da compaixão.

A linguagem correta é dizer a verdade, unir as pessoas, com gentileza e bondade, dizendo coisas que tenham significância.. Existem quatro tipos de linguagem correta. Sempre colocamos a linguagem correta em termos negativos como abster-se de mentir, caluniar, fofocar e linguajar grosseiro. Se colocarmos em termos positivos significa dizer a verdade, falar de forma a unir as pessoas, falar de forma gentil, agradável e coisas que tenham significância ao invés de fofocar.

Ação correta é viver e deixar viver, não matar. Permitir que os outros desfrutem daquilo que possuem, abster-se de roubar. Permitir que os outros preservem a sua honra, dignidade, respeito sem feri-los sexualmente ou observando o princípio de dignidade interiormente. As atividades sexuais dentro dos limites aceitáveis pela lei e pela sociedade são aceitas. O celibato não é mencionado no Nobre Caminho Óctuplo. Porque? Porque esse caminho pode ser praticado por qualquer pessoa. Pessoas leigas podem praticar esse caminho.

O modo de vida correto é abster-se de vender armas, comprar e vender substâncias venenosas, comprar e vender animais, escravizar seres humanos e agir nos negócios de forma desonesta. Conduzir os negócios de forma honesta e sincera. Realizar os seus lucros com decência. Em algumas sociedades os comerciantes aplicam uma margem de lucro de 50% ou 75% aos produtos. Se alguém aplicar uma margem de 200% estará agindo de forma desonesta.

O esforço correto é prevenir que pensamentos prejudiciais surjam na mente, superar tais pensamentos se eles já surgiram na mente, desenvolver pensamentos benéficos na mente e manter na mente aqueles pensamentos benéficos que já surgiram.

A atenção plena correta é a atenção plena em relação ao corpo, sensações, mente e objetos mentais. A concentração correta é definida como sendo os quatro jhanas.

Se você praticar o Nobre Caminho Óctuplo definitivamente poderá se livrar de toda a dor e sofrimento. Essa é a garantia. Se você se restringir à primeira verdade e apenas disser que a vida é sofrimento, você estará lidando com apenas um quarto e deixando de lado três quartos dos ensinamentos. Você estará equivocado. Você deve lidar com todas as quatro unidades lógicas. Existe uma base, um silogismo e os passos para completar a lógica. Tudo isso faz parte de um conjunto. A isto se denomina uma unidade lógica, porque o Buda nos deu a premissa de que a vida é sofrimento. Depois ele nos deu a causa, a segunda verdade. Podemos eliminá-la? A terceira verdade. Como fazê-lo é a quarta verdade.

Podemos lidar com todas essas quatro verdades ao praticarmos a meditação, seguindo o Nobre Caminho Óctuplo. É por isso que digo que esse caminho é o coração do Budismo. Em outras palavras é a meditação. É um caminho para ser cultivado, desenvolvido, meditado. Isso é o que fazemos. Meditar não quer dizer ficar sentado num um lugar, focar a mente, obter um pouco de concentração e esquecer o mundo. Isso não é meditação. Essa é uma parte ínfima da meditação. A verdadeira meditação é a prática do Nobre Caminho Óctuplo. Você poderá vê-lo na prática, no seu dia a dia.

Isto conclui a palestra sobre as Quatro Nobres Verdades. Isto é apenas a ponta do Iceberg. É apenas uma visão geral. Para compreendê-lo você deve gastar pelo menos quarenta e cinco anos como fez o Buda ou você terá que praticar meditação por quinhentos anos, ou, se nesta vida você praticar a meditação com honestidade e sinceridade, de acordo com o Satipatthana Sutta, existe a garantia de alcançar a iluminação em sete anos. O Buda disse que se você for dedicado, honesto e consistente e praticar apenas isso, nada mais, poderá alcançar a iluminação em sete dias. Você não precisa viver muitas vidas para alcançar a iluminação. Nesta mesma vida você poderá alcançá-la.
Nosso Verdadeiro Lar
Uma palestra para uma discípula leiga idosa que está morrendo


Ajaan Chah




Agora determine que a sua mente ouça o Dhamma. Durante o período em que eu estiver falando, preste atenção às minhas palavras como se o próprio Buda estivesse sentado à sua frente. Feche os olhos e sente-se confortavelmente, componha a sua mente e faça com que ela foque a atenção em um só ponto. Com humildade permita que a Jóia Tríplice da sabedoria, verdade e pureza encontre um lugar no seu coração como forma de demonstrar o seu respeito pelo Iluminado.

Hoje eu não trouxe nada material, com substância para oferecer-lhe, somente o Dhamma, os ensinamentos do Buda. Ouça bem. Você precisa entender que mesmo o próprio Buda, com o seu grande depósito de virtude acumulada, não pôde evitar a morte física. Quando ele alcançou a velhice, ele abandonou o seu corpo e soltou o seu pesado fardo. Agora você também precisa aprender a estar satisfeita com os muitos anos em que esteve sujeita a esse corpo. Você deveria sentir que já chega.

Você pode compará-lo a utensílios de cozinha que teve por muito tempo - suas xícaras, pires, pratos e assim por diante. Quando você os comprou eles estavam limpos e brilhantes mas agora após usá-los por tanto tempo, eles mostram os sinais do tempo.

Alguns já estão quebrados, outros desapareceram e aqueles que sobraram estão se deteriorando; eles não possuem uma forma estável, e faz parte da sua natureza que seja assim. Com o corpo é o mesmo - esteve continuamente mudando desde o dia em que você nasceu, através da infância e adolescência, até agora quando alcançou a velhice. Você precisa aceitar isso.

O Buda disse que os fenômenos, (sankharas), quer sejam internos, do corpo, ou externos, são desprovidos de um eu, a mudança faz parte da natureza deles. Contemple essa verdade até que você a veja claramente.

Esse mesmo pedaço de carne que aqui está deitado em decadência é saccadhamma, a verdade. A verdade deste corpo é saccadhamma, e esse é o ensinamento imutável do Buda. O Buda nos ensinou a olhar para o corpo, contemplá-lo e aceitar a sua natureza. Precisamos estar em paz com o corpo, não importando o estado em que ele esteja. O Buda ensinou que devemos nos assegurar que somente o corpo esteja aprisionado e não permitir que a mente seja aprisionada junto.

Agora, à medida que o seu corpo começa a perder vitalidade e deteriorar pela idade, não resista a isso, mas não permita que a sua mente se deteriore junto com ele. Mantenha a mente separada. Energize a sua mente compreendendo a verdade de como as coisas são. O Buda ensinou que essa é a natureza do corpo, não pode ser de outra forma: tendo nascido, ele envelhece e se enferma e depois morre. Essa é uma grande verdade com a qual você está se deparando agora. Olhe para o corpo com sabedoria e entenda isso.

Se a sua casa estiver inundada ou completamente queimada, qualquer que seja o perigo que a ameace, faça com que seja somente com a casa. Se ocorrer uma enchente, não permita que ela inunde a sua mente. Se ocorrer um incêndio, não permita que ele queime o seu coração. Deixe que seja somente a casa, aquilo que é externo a você, fique inundada e queimada. Permita que a mente se liberte dos seus apegos. Este é o momento certo.

Você já está viva há muito tempo. Os seus olhos já viram inumeráveis formas e cores, os seus ouvidos ouviram tantos sons, você teve incontáveis experiências. E isso é tudo que elas foram - somente experiências. Você comeu comidas deliciosas, e todos os sabores deliciosos foram somente sabores deliciosos, nada mais. Os sabores desagradáveis foram somente sabores desagradáveis, isso é tudo. Se o olho vê uma forma bonita, isso é tudo, somente uma forma bonita. Uma forma feia é somente uma forma feia. O ouvido ouve um som que hipnotiza, melodioso e não é nada além disso. Um som áspero, sem harmonia é somente isso.

O Buda disse que pobre ou rico, jovem ou velho, humano ou animal, nenhum ser neste mundo pode manter a si mesmo em um mesmo estado por muito tempo, tudo experimenta mudança. Esse é um fato da vida para o qual não há remédio.

Mas o Buda disse que o que podemos fazer é contemplar o corpo e a mente de tal forma a ver a sua impersonalidade, ver que nenhum deles é "eu" ou "meu". Eles possuem meramente uma realidade provisória. É como esta casa: ela é sua somente de forma nominal, você não a pode levar para nenhum lugar. Ocorre o mesmo com a sua fortuna, as suas posses e a sua família - elas são todas suas somente no nome, na verdade elas não lhe pertencem, elas pertencem à natureza.

Agora essa verdade não se aplica somente a você, todos estão na mesma posição, mesmo o Buda e os seus discípulos iluminados. Eles diferem de nós apenas num aspecto, na aceitação das coisas do modo como elas são, eles viram que não pode ser de outro modo.

Portanto o Buda nos ensinou a mapear e examinar este corpo, das solas dos pés até o topo da cabeça e em seguida até as solas dos pés novamente. Dê uma olhada no corpo. Que tipo de coisas você vê? Existe algo que seja intrinsecamente limpo? Você pode encontrar alguma essência permanente?

Todo este corpo está constantemente se degenerando e o Buda nos ensinou a ver que ele não nos pertence. Faz parte da natureza que o corpo seja assim porque todos os fenômenos condicionados estão sujeitos à mudança. De que outra forma poderia ser?

Na verdade, não existe nada de errado com o corpo. Não é o corpo que faz com que você sofra, mas sim a sua forma de pensar incorreta. Quando você vê o certo de maneira errada, inevitavelmente haverá confusão. É como a água de um rio. Ela naturalmente flui quando há uma inclinação, ela nunca flui em sentido contrário, assim é a natureza.

Se uma pessoa estivesse às margens de um rio e vendo a correnteza fluindo rapidamente, tolamente desejasse que as águas fluíssem em sentido contrário, ela iría sofrer. O que quer que ela estivesse fazendo, a sua maneira errada de pensar não lhe daria paz. Ela ficaria infeliz devido ao seu entendimento incorreto, pensando contra a correnteza. Se ela tivesse o entendimento correto ela veria que a água deve inevitavelmente fluir de acordo com a inclinação, e até que ela entenda e aceite esse fato, a pessoa ficará agitada e preocupada.

O rio que flui de acordo com a inclinação é igual ao seu corpo. Tendo sido jovem seu corpo envelheceu e agora está fluindo tranqüilamente para a morte. Não fique desejando que seja diferente, não é algo que você tem o poder de remediar. O Buda nos disse para ver as coisas como elas são e então soltar o nosso apego em relação a elas. Tome essa noção de abandono como o seu refúgio.

Sustente a meditação, mesmo que você se sinta cansada e exausta. Deixe que a sua mente permaneça com a respiração. Respire fundo algumas vezes e depois fixe a mente na respiração usando a palavra "Buddho" como mantra. Faça disso uma prática rotineira.

Quanto mais exausta você estiver, mais sutil e focalizada deve ser a sua concentração, assim você poderá suportar as sensações dolorosas que surgem. Quando você começar a se sentir cansada, faça com que todo o seu pensamento pare, que a mente se recupere e se volte para conhecer a respiração. Mantenha a recitação interior: "Bud-dho, Bud-dho".

Solte tudo que é externo. Não se apegue a pensamentos acerca dos seus filhos e parentes, não se apegue a absolutamente nada. Solte. Deixe que a mente se unifique em um só ponto e permita que essa mente acalmada permaneça com a respiração. Faça com que a respiração seja o seu único objeto de interesse. Concentre até que a mente se torne cada vez mais sutil, até que as sensações sejam insignificantes e que haja uma grande clareza e vivacidade interiores.

Então quando surgirem sensações dolorosas elas irão gradualmente ceder por si mesmas. Finalmente, você irá olhar para a respiração como se fosse um parente que a tivesse vindo visitar.

Quando um parente vai embora, nós o acompanhamos até a porta. Esperamos até que já não o possamos ver mais e então voltamos para dentro. Observamos a respiração da mesma forma. Se a respiração é grosseira, nós sabemos que ela é grosseira. Se ela é sutil, sabemos que é sutil. À medida que ela vai se tornando cada vez mais discreta nós a acompanhamos, simultaneamente despertando a mente.

Eventualmente a respiração desaparece por completo e tudo o que resta é a sensação de estar alerta. A isto se denomina encontrar o Buda. Temos aquele entendimento cristalino que é chamado de "Buddho", aquele que sabe, aquele que está desperto, aquele que irradia. É encontrar e permanecer com o Buda, com conhecimento e clareza.

Pois foi somente o Buda histórico de carne e osso que realizou o parinibbana; o verdadeiro Buda, o Buda que é o conhecimento claro e luminoso, nós podemos experimentar e realizar mesmo hoje e quando assim fizermos, o coração é um só.

Portanto, solte, deixe tudo de lado, tudo exceto o conhecimento. Não se iluda se visões ou sons surgirem na sua mente durante a meditação. Deixe-os de lado. Não se apegue a absolutamente nada. Permaneça apenas com essa atenção não dual. Não se preocupe com o passado ou o futuro, fique tranqüila e você irá alcançar o lugar onde não existe progresso, recuo e nem parada, onde não existe nada para se agarrar ou apegar.

Porque? Porque não existe "eu" ou "meu". Tudo se foi. O Buda nos ensinou a que fiquemos vazios desse modo, a não carregar nada conosco. Conhecendo e tendo conhecido, solte.

Realizar o Dhamma, o caminho da libertação do ciclo de nascimento e morte, é uma tarefa que todos temos que realizar sozinhos. Portanto, continue tentando soltar tudo e entender os ensinamentos. Coloque esforço real na sua contemplação. Não se preocupe com a sua família. No momento eles são o que são, no futuro serão como você. Não existe ninguém neste mundo que possa escapar a esse destino. O Buda nos disse para deixar de lado tudo aquilo que não possui uma essência verdadeira, permanente. Se você colocar tudo de lado, irá ver a verdade, se você não fizer isso, não irá vê-la. Assim é como é, igual para todos, portanto não se preocupe e não se agarre a nada.

Mesmo que você se dê conta de que está pensando, não há problema, contanto que você pense sabiamente. Não pense de maneira tola. Se você pensar nos seus filhos, pense neles com sabedoria, não de forma tola. Qualquer coisa que chame a atenção da mente, pense e entenda aquela coisa com sabedoria, consciente da sua natureza. Se você entende alguma coisa com sabedoria, então você a solta e não há sofrimento. A mente estará brilhante, feliz e em paz, e evitando distrações ela estará unificada. Neste momento o que lhe pode ajudar e apoiar é a sua respiração.

Essa é uma tarefa sua, de ninguém mais. Deixe que os outros façam as tarefas deles. Você tem a sua própria tarefa e responsabilidade e você não precisa assumir aquelas da sua família. Não assuma nada mais, solte tudo. Esse ato de soltar irá acalmar a sua mente. A sua única responsabilidade agora é de focar a sua mente e fazer com que ela fique em paz. Deixe todo o demais para os outros. Formas, sons, odores, sabores - deixe que os outros tomem conta disso. Deixe tudo isso de lado e faça o seu próprio trabalho, cumpra a sua responsabilidade. O que quer que surja na sua mente, seja medo ou dor, medo da morte, ansiedade pelos outros ou o que seja, diga-lhes: "Não me perturbem. Vocês não são mais minha responsabilidade". Apenas diga isso para si mesma quando você vir esses dhammas surgindo.

A que se refere a palavra "dhamma" ? Tudo é dhamma. Não existe nada que não seja dhamma. E o que seria "mundo" ? O mundo é exatamente o estado mental que a está deixando agitada neste mesmo momento. "O que essa pessoa irá fazer? O que aquela pessoa irá fazer? Quando eu estiver morta quem irá cuidar deles? Como eles irão se arranjar?" Isso tudo é "o mundo". Mesmo o mero surgimento de um pensamento de medo ou dor, é o mundo.

Jogue o mundo fora! O mundo é assim mesmo. Se você permitir que ele surja na mente e domine a consciência então a mente se tornará nebulosa e não poderá ver a si mesma. Portanto, para tudo que surgir na mente, simplesmente diga: "Não diz respeito a mim. É impermanente, insatisfatório e não-eu."

Pensar que você gostaria de viver por muito tempo a fará sofrer. Mas pensar que você gostaria de morrer logo ou muito rapidamente também não é correto, é sofrimento não é? As condições não nos pertencem, elas seguem as suas próprias leis da natureza. Você não pode fazer nada acerca do modo como o corpo é. Você pode embelezá-lo um pouco, fazer com que seja atraente e limpo durante algum tempo, tal como as garotas que passam batom e deixam as unhas crescer. Porém, quando a velhice chega, todos estão no mesmo barco. O corpo é assim, você não pode fazer com que seja de outro modo. Mas o que você pode melhorar e embelezar é a mente.

Qualquer pessoa pode construir uma casa de madeira e tijolos mas o Buda ensinou que esse tipo de casa não é o nosso verdadeiro lar, é nosso só nominalmente. É uma casa no mundo e segue as regras do mundo. O nosso verdadeiro lar é a paz interior. Uma casa pode muito bem ser bonita mas não tem muita paz. Existe esta preocupação e depois aquela, esta ansiedade e depois aquela. Portanto dizemos que ela não é o nosso verdadeiro lar, está fora de nós, cedo ou tarde vamos ter que abrir mão dela. Não é um lugar em que podemos viver permanentemente porque na verdade não nos pertence, é parte do mundo. Com o nosso corpo ocorre o mesmo; assumimos que ele seja parte do eu, que seja "eu" e "meu", mas na verdade não é nada disso, é uma outra casa do mundo. O seu corpo seguiu o seu curso natural do nascimento até agora, está velho e enfermo e você não pode proibi-lo disso, assim é como é. Querer que seja diferente é tão tolo quanto querer que um pato seja uma galinha. Quando você vê que isso é impossível, que um pato tem que ser um pato, e que uma galinha tem que ser uma galinha, que os corpos têm que envelhecer e morrer, você terá energia e força. Não importa quanto você queira que o corpo se mantenha e dure por muito tempo, isso não irá ocorrer.

O Buda disse:

Anicca vata sankhara
Uppada vayadhammino
Uppajjhitva nirujjhanti
Tesam vupasamo sukho.

As formações são impermanentes,
sujeitas a surgir e cessar.
Tendo surgido elas cessam -
a tranqüilização delas é uma bênção.

A palavra "sankhara" refere-se a este corpo e mente. Os sankharas são impermanentes e instáveis, tendo surgido eles desaparecem, tendo aparecido eles cessam, e mesmo assim todos querem que eles sejam permanentes. Isso é uma tolice. Olhe para a respiração. Tendo entrado, ela sai, assim é a natureza, assim é como deve ser. A inspiração e a expiração têm que se alternar, tem que haver mudança. Os sankharas existem através da mudança, você não poderá evitá-lo. Apenas pense: você poderia expirar sem haver inspirado? Você se sentiria bem? Ou você poderia somente inspirar? Queremos que as coisas sejam permanentes, mas elas não podem ser, é impossível. Uma vez que tenhamos inspirado, é necessário expirar, quando expiramos é necessário inspirar outra vez, e assim é a natureza, não é? Tendo nascido, envelhecemos e ficamos enfermos e depois morremos e isso é perfeitamente natural e normal. Porque os sankharas fizeram a sua parte, porque a expiração e a inspiração se alternaram dessa forma, que a raça humana ainda está aqui hoje.

Assim que nascemos, estamos mortos. Nosso nascimento e morte são somente uma coisa. Tal como uma árvore: quando há uma raiz tem que haver galhos. Quando há galhos tem que haver uma raiz. Não se pode ter uma sem a outra. É um pouco engraçado ver como face à morte as pessoas ficam tão angustiadas e distraídas, chorosas e tristes e no nascimento tão felizes e contentes. É a delusão, ninguém nunca vê isso com clareza. Eu penso que se você realmente quer chorar, então seria melhor fazê-lo quando alguém nasce. Pois na verdade o nascimento é morte, morte é nascimento, a raiz é o galho, o galho a raiz. Se você precisa chorar, chore pela raiz, chore pelo nascimento. Veja com atenção: se não houvesse nascimento não haveria morte. Você pode entender isso?

Não pense muito. Somente pense: "Assim é como as coisas são". É a sua tarefa, a sua responsabilidade. Neste exato momento ninguém pode ajudá-la, não há nada que a sua família e as suas posses possam fazer por você. A única coisa que lhe pode ajudar é o entendimento correto.

Portanto não vacile. Solte tudo. Jogue tudo fora.

Mesmo que você não queira soltar, tudo está indo embora de qualquer jeito. Você pode ver como todas as diferentes partes do seu corpo estão tentando escapar? Tome o seu cabelo: quando você era jovem ele era grosso e preto, agora ele está caindo. Está indo embora. Os seus olhos costumavam ser bons e fortes e agora eles estão fracos, a sua vista embaçada. Quando os órgãos já não agüentam mais, eles vão embora, esta não é a casa deles. Quando você era uma criança os seus dentes eram sadios e firmes agora eles estão balançando, talvez você tenha dentadura. Os seus olhos, ouvidos, nariz, língua - tudo está tentando ir embora porque esta não é a casa deles. Você não pode fazer uma morada permanente em um sankhara, você pode permanecer por pouco tempo e depois tem que partir. O mesmo que um inquilino observando a sua pequena casa com os olhos enfraquecidos. Os seus dentes já não estão bem, os seus ouvidos já não estão bem, o seu corpo já não está saudável, todos estão partindo.

Portanto você não precisa se preocupar com nada, porque este não é o seu verdadeiro lar, é somente um abrigo temporário. Tendo vindo a este mundo, você deveria contemplar a sua natureza. Tudo o que existe está se preparando para desaparecer. Olhe para o seu corpo. Existe algo que ainda se encontre na sua forma original? A sua pele está como costumava estar? O seu cabelo? Não é o mesmo, é? Para onde foi tudo? Assim é a natureza, como as coisas são. Quando o tempo chega, as formações seguem o seu próprio curso. Não há nada neste mundo com o qual se possa contar - é um ciclo interminável de perturbações e problemas, prazeres e dores. Não há paz.

Quando não temos um verdadeiro lar somos como um viajante sem rumo, indo em uma direção por algum tempo e depois para outra direção, parando por algum tempo para depois continuar outra vez. Até que regressemos ao nosso verdadeiro lar nos sentimos desconfortáveis com o que quer que estejamos fazendo, da mesma forma como uma pessoa que saiu do seu vilarejo para uma viagem. Somente quando regressa outra vez para casa é que ela pode realmente relaxar e estar em paz.

Em nenhum lugar do mundo pode ser encontrada a paz verdadeira. Os pobres não têm paz e nem os ricos. Os adultos não têm paz, as crianças não têm paz, aqueles com pouca escolaridade não têm paz e nem os que têm muito estudo. Não existe paz em lugar nenhum. Essa é a natureza do mundo.

Aqueles que possuem poucas posses sofrem e da mesma forma aqueles que possuem muitas. Crianças, adultos, velhos, todos sofrem. O sofrimento de ser velho, o sofrimento de ser jovem, o sofrimento de ser rico e o sofrimento de ser pobre - nada além de sofrimento.

Quando você contempla as coisas dessa forma você vê anicca, impermanência e dukkha, insatisfação. Porque as coisas são impermanentes e não trazem satisfação? É porque são anatta, não-eu.

Ambos, o seu corpo que está aqui deitado enfermo e dolorido e a mente que está consciente da sua enfermidade e dor, são denominados dhammas. Aquilo que é desprovido de forma, os pensamentos, sensações e percepções são denominados namadhamma. Aquilo que está atormentado com dores e desconfortos é denominado rupadhamma. O material é dhamma e o não material é dhamma. Portanto vivemos com dhammas, no dhamma, nós somos dhamma. Na verdade não existe um eu que pode ser encontrado em nenhum lugar, só existem dhammas que estão continuamente surgindo e desaparecendo, que é a sua natureza. A cada momento estamos experimentando o nascimento e a morte. Assim é como as coisas são.

Quando pensamos no Buda, da forma tão verdadeira como ele falou, sentimos o quanto ele é digno de que o saudemos, honremos e respeitemos. Sempre que vemos a verdade de algo, vemos os seus ensinamentos, mesmo sem nunca, na verdade termos praticado o Dhamma. Porém mesmo que tenhamos conhecimento dos seus ensinamentos, que os tenhamos estudado e praticado, mas ainda sem ver a verdade que eles contêm, então ainda não teremos um lar.

Portanto, compreenda esse ponto de que todas as pessoas, todas as criaturas, estão prestes a ir embora. Quando os seres viverem um certo tempo eles seguirão o seu caminho. O rico, o pobre, o jovem, o velho, todos os seres irão experimentar essa mudança.

Quando você se der conta de que o mundo é assim, você sentirá que é um lugar que incomoda muito. Quando você se der conta de que não há nada estável ou sólido em que você possa confiar, você se sentirá incomodado e desencantado. Sentir-se desencantado no entanto não significa que você terá aversão. A mente estará clara. Ela vê que não existe nada que possa ser feito para remediar esse estado de coisas, assim é o mundo. Sabendo disso, você pode soltar o apego, soltar com a mente que não está feliz nem triste mas em paz com os sankharas, pois vê com sabedoria a sua natureza de mudança constante.

Anicca vata sankhara – todas as formações são impermanentes. Colocando de maneira simples: impermanência é o Buda. Se vemos um fenômeno impermanente com clareza, veremos que ele é permanente, permanente no sentido de que a sua sujeição à mudança é constante. Essa é a permanência que os seres vivos possuem. Existe transformação contínua, da infância através da juventude até a velhice, e essa mesma impermanência, essa disposição à mudança é fixa e permanente. Se você encará-lo dessa forma o seu coração estará em paz. Não é somente você que tem que passar por isso, são todos.

Quando você considera as coisas dessa forma, você as verá como um incômodo e o desencantamento irá surgir. O seu deleite com o mundo dos prazeres sensuais irá desaparecer. Você verá que se tiver muitas coisas, terá que abandonar muitas coisas; se tiver poucas, abandonará poucas. A riqueza é somente riqueza, uma vida longa é somente uma vida longa, elas não têm nada de especial.

O que é importante é que façamos o que o Buda nos ensinou e que construamos o nosso lar, construi-lo utilizando o método que eu estive lhe explicando. Construa o seu lar. Solte tudo. Solte até que a mente alcance a paz que está livre de avançar, livre de retroceder e livre de ficar imóvel. O prazer não é o nosso lar, a dor não é o nosso lar. O prazer e a dor, ambos, decaem e desaparecem.

O Grande Mestre viu que todos os sankharas são impermanentes e por isso ele nos ensinou a soltar o nosso apego por eles. Quando chegarmos ao fim das nossas vidas, não teremos escolha de qualquer maneira, não seremos capazes de levar nada conosco. Portanto não seria melhor se soltar das coisas antes disso? Elas são somente um fardo pesado que carregamos; porque não se desfazer desse fardo agora? Porque o esforço de carregá-lo conosco? Solte tudo, relaxe e deixe que a sua família tome conta de você.

Aqueles que cuidam de um enfermo, cultivam a bondade e a virtude. Alguém que esteja doente e que oferece aos outros essa oportunidade não deveria dificultar ainda mais as coisas para eles. Se existe dor ou algum outro problema, diga-lhes e mantenha a mente em um estado saudável. Aquele que estiver cuidando dos pais deve preencher a sua mente com cordialidade e bondade e não se deixar pegar pela aversão. Essa é a ocasião em que você pode pagar o seu débito para com eles. Desde o seu nascimento através da infância, conforme você crescia, você esteve na dependência dos seus pais. Estamos aqui hoje porque as nossas mães e pais nos ajudaram de tantas formas. Devemos a eles muita gratidão.

Portanto hoje, todos vocês, crianças e parentes aqui reunidos, juntos, vejam como os seus pais se tornam as suas crianças. Antes vocês eram as crianças deles; agora eles são as crianças de vocês. Eles ficam cada vez mais velhos até que se convertem em crianças novamente. A sua memória fica falha, os olhos já não vêm tão bem e os seus ouvidos não escutam, às vezes misturam as palavras. Não deixem que isso os perturbe. Todos vocês que cuidam dos doentes têm que aprender a soltar. Não se agarrem às coisas, simplesmente soltem-nas e que sigam o seu próprio curso. Quando uma criança é desobediente, às vezes os pais permitem que ela faça o que quer como forma de manter a paz, para fazê-la feliz. Agora os seus pais são como essa criança. A memória e a percepção deles está confusa. Certas vezes eles confundem os seus nomes, ou vocês lhes pedem para trazer uma xícara e eles trazem um prato. É normal, não fiquem transtornados por isso.

Que o paciente possa se lembrar da bondade daqueles que cuidam dele e pacientemente suporte as sensações de dor. Faça um esforço, não permitindo que a mente se torne dispersa e agitada e não dificultando as coisas para quem está cuidando de você. Permita que aqueles que cuidam dos doentes preencham a sua mente com virtude e bondade. Que não tenham aversão pelo aspecto repugnante do trabalho, de limpar o catarro e a fleuma ou a urina e excremento. Façam o melhor possível. Todos na família podem ajudar.

Eles são os únicos pais que você possui. Eles lhe deram a vida, eles foram os seus mestres, suas enfermeiras e seus médicos - eles foram tudo para você. Eles os criaram, educaram, compartilharam as suas posses com você, fizeram de você o herdeiro, esse é o grande benefício feito pelos seus pais. Como resultado, o Buda ensinou as virtudes de kataññu e katavedi, conhecer a nossa dívida de gratidão e tentar repagá-la. Essas duas virtudes são complementares. Se os nossos pais estão passando por necessidades, se não estão bem ou enfrentando dificuldades, então fazemos o melhor possível para ajudá-los. Isto é kataññu-katavedi, é uma virtude que mantem o mundo. Previne que as famílias se separem, faz com que permaneçam estáveis e harmoniosas.

Hoje eu lhes trouxe o Dhamma como um presente nesta ocasião de enfermidade. Não tenho coisas materiais para lhes dar; parece que já existe abundância dessas coisas na casa e assim eu lhes dou o Dhamma, algo que possui um valor de longa duração, algo que vocês nunca conseguirão esgotar. Tendo recebido de mim, vocês podem passá-lo adiante para tantos outros que quiserem e ele nunca será esgotado. Assim é a natureza da Verdade. Estou feliz por dar-lhes este presente do Dhamma e espero que lhes dê força para lidar com a sua dor.
Começando Modestamente
Uma Coleção de Palestras para Meditadores Iniciantes


Phra Ajaan Lee Dhammadharo
(Phra Suddhidhammaransi Gambhiramedhacariya)




Conteúdo

Introdução
Brilho Interior
Soltando
Três Princípios
Três Filamentos de uma Corda
No Portão de um Curral
Começando Modestamente
Força para a Jornada
Na Posição
Duas Meditações Protetoras
Sendo Anfitrião
Uma Imagem do Buda
Binóculos
O Coração Elétrico
Cobras, Fogos, e Ladrões



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Introdução

Os trechos aqui traduzidos tiveram o seu início em palestras que Ajaan Lee proferiu para grupos de pessoas que estavam praticando a meditação. Em alguns casos, as pessoas eram seus discípulos; em outros, totalmente estranhos.

Em cada caso, Ajaan Lee achou necessário cobrir o tipo de questões que passam pelas cabeças de pessoas principiantes em meditação – Por que meditar? Como devo meditar? E por que dessa forma em particular? – e no seu estilo peculiar ele não somente respondia de forma clara a essas questões mas também com vívidas metáforas, para ajudar os seus ouvintes a encontrar uma relação entre a sua meditação e atividades mais conhecidas de tal forma que eles se sentissem menos intimidados pelas áreas inexploradas da mente que eles estavam tentando adestrar.

Um aspecto dos ensinamentos de Ajaan Lee que pode lhes parecer estranho é a sua análise do corpo em quatro elementos: terra, fogo, água, e ar. Essa forma de análise remonta à época do Buda, embora Ajaan Lee a desenvolva de uma maneira especial.

Pense nessa análise, não como uma explicação através da biologia ou química – as ciências que usamos para analisar o corpo a partir do exterior – mas como uma forma de analisar como se sente o corpo a partir do seu interior. Essa é uma parte da consciência que com freqüência negligenciamos e que dispomos de um vocabulário pobre para descrever.

À medida que você ganhar, através da meditação, uma maior familiaridade com este aspecto da sua consciência, você irá ver o quão útil é o método de análise de Ajaan Lee.

Os trechos aqui incluídos tiveram um caminho tortuoso da boca de Ajaan Lee até os seus olhos. Um dos seus alunos – uma monja, Mae Chii Arun Abhivanna – tomou notas durante as palestras das quais ela mais tarde elaborou versões reconstruídas do que Ajaan Lee havia dito.

No caso de palestras datadas antes de 1957, o próprio Ajaan Lee teve a oportunidade de examinar e revisar as reconstruções antes que fossem impressas. Quanto aos discursos posteriores àquele ano, Mae Chii Arun teve oportunidade de elaborar as reconstruções somente após a morte de Ajaan Lee em 1961, e dessa forma elas foram impressas sem as suas observações.

Embora os discursos sejam excelentes para ler, eles são melhores ainda para ouvir. Se você medita com um grupo de amigos, tente fazer com que um dos participantes do grupo leia uma passagem enquanto os demais estão meditando. Dessa forma, você pode recriar o contexto para o qual os discursos foram originalmente criados.

Thanissaro Bhikkhu
Outubro, 1999




Brilho Interior

18 Maio 1958

Para que as pessoas sejam felizes ou tristes, boas ou más, tudo depende do coração. O coração é que está no comando, a coisa mais importante que pode ser encontrada no seu corpo. É porque ele é durável e responsável por todo o bem e mal que fazemos. Quanto ao corpo, ele não conhece nada de prazer ou dor, felicidade ou tristeza, e não é de forma nenhuma responsável por qualquer ação boa ou má. Por que isso? Porque o corpo não é durável. Ele é vazio.

Dizer que ele é vazio significa que assim que ele é privado da respiração, os seus quatro elementos da terra, água, ar e fogo separam-se um do outro e retornam à sua natureza original.

As partes que vêm do elemento da terra retornam à terra que é onde estavam originalmente. As partes que vêm do elemento da água retornam à água que é onde estavam originalmente. As partes que vêm do elemento do ar e do elemento do fogo retornam ao ar e ao fogo que é onde estavam originalmente.

Não há nada a seu respeito que seja ‘mulher’ ou ‘homem’, ‘bom’ ou ‘mal’. Devido a isso é que somos ensinados, rupam aniccam, a forma física é inconstante. Rupam dukkham, é insatisfatória. Rupam anatta, é não-eu, vazia, e não permanece sob o controle de ninguém.

Mesmo se tentamos proibi-la de envelhecer, adoecer e morrer, esta não se comportará de acordo com os nossos desejos. A forma física tem que se enquadrar aos processos de surgimento e desaparecimento de acordo com a natureza das formações naturais. Isto se aplica a todos.

Porém você não pode afirmar que o corpo é inteiramente anatta, pois algumas de suas partes são atta. Em outras palavras, o corpo está de certa forma sob seu controle. Por exemplo, se você quiser que o corpo caminhe, ele caminhará. Se você quiser que ele se deite, ele deitará.

Se você quiser que ele coma, ele comerá. Se você quiser que ele se banhe, ele se banhará. Isso mostra que de certa forma ele está sob seu controle. Dessa forma o corpo é ambos anatta e atta. Mas mesmo assim, ambos aspectos são iguais no sentido de que são vazios e não são responsáveis pelas coisas boas ou más que fazemos. Não importa o quanto de bem ou mal você faça, o corpo não tem participação nenhuma nas retribuições.

Quando ele morre, é cremado e de qualquer forma se transforma em cinzas. Não tem qualquer responsabilidade pela felicidade ou tristeza de qualquer pessoa. Quando as pessoas fazem o bem ou o mal, os resultados do que fizeram de bem ou mal recai sobre as suas próprias mentes.

A mente é responsável por todas nossas ações, e também é que experimenta os resultados das próprias ações. É por isso que o Buda nos ensinou a limpar nossos corações e mentes, para torná-los puros como forma de conduzir-nos à felicidade futura.

O que usamos para limpar o coração e mente? Nós limpamos o coração e mente com a habilidade – em outras palavras através do desenvolvimento de qualidades hábeis internas, através da prática da concentração. Eliminamos todos os pensamentos de cobiça, raiva, e delusão de dentro da mente, tais como os obstáculos do desejo sensual, má vontade, torpor e preguiça, inquietação e ansiedade e dúvida. Todas essas características são coisas que poluem a mente. Quando a mente está poluída dessa forma, está confinada ao sofrimento. Está destinada à escuridão por causa das suas próprias ações.

Nossas ações inábeis podem ser divididas de acordo com a sua intensidade de trevas. Algumas são escuras como a escuridão da noite, isto é, totalmente desprovidas de qualquer claridade. Algumas são escuras como nuvens, isto é, elas se alternam entre estar escuras e claras, tal como a lua que é clara em alguns momentos e coberta por nuvens em outros.

Algumas das nossas inabilidades são escuras como a neblina, que obscurece completamente nossa visão quer seja durante o dia ou à noite. Esse terceiro tipo de inabilidade é a ignorância, ou avijja.

Ela obscurece a mente durante todo o tempo de tal forma que não podemos reconhecer quais objetos da mente são o passado, quais são o futuro, e quais são o presente. É por isso que a mente se preocupa com o passado, presente, e futuro de tal forma que não consegue ficar firmemente em nenhum lugar. Sem ter certeza de nada. Isso é ignorância. Da ignorância vem o desejo, a causa de todo sofrimento e estresse.

Para livrar-se dessa neblina temos que meditar, livrando-nos de pensamentos e conceitos do passado e futuro vendo-os como inconstantes, desgastantes, e não-eu, vendo os agregados da forma, sensações, percepções, formações mentais, e consciência como inconstantes, desgastantes, e não-eu, até o ponto em que não exista passado, nem futuro, nem presente. Assim é como a mente se livra das nuvens e neblina dos seus obstáculos e entra na luminosidade.

Existem dois tipos de pessoas no mundo. Algumas possuem boa visão. Elas são aquelas que desenvolvem qualidades hábeis dentro de si mesmas, e dessa forma elas vêm a luminosidade do mundo tanto durante o dia como à noite. Depois existem aquelas que não desenvolvem qualidades mentais hábeis.

Elas são como as pessoas que nasceram cegas: mesmo com o brilho da luz do sol e da lua, essas pessoas estão na escuridão – nesse caso, a escuridão da própria mente. É por isso que o Buda nos ensinou a remover a escuridão das nossas mentes, remover as nossas mentes da escuridão, tal como no verso em Pali,

Kanham dhammam vippahaya sukkam bhavetha pandito,

que significa, “Tendo abandonado as qualidades sombrias, a pessoa sábia desenvolve as luminosas”. Quando as pessoas desenvolvem a luminosidade interna, elas podem usar essa luminosidade para iluminar todas as suas atividades. Isso lhes trará sucesso em tudo que fizerem.

Porém se estão na escuridão, é como se estivessem cegas, assim as coisas que fizerem não irão resultar em sucesso completo. Por exemplo, elas podem ouvir o Dhamma, mas se as suas mentes ainda estiverem vagando por todos os lados, é como se elas estivessem obscurecidas pelas nuvens e neblina dos seus obstáculos.

É por isso que somos ensinados a praticar a meditação da tranqüilidade, fixando a mente em um único objeto. Diga a si mesmo que as qualidades do Buda não estão separadas das qualidades do Dhamma, que não estão separadas das qualidades da Sangha. Na verdade elas são uma só e a mesma, tal como nos diz o verso em Pali:

Buddho dhammo sangho cati nanahontampi vatthuto
Aññamaññaviyoga va ekibhutamapanatthato

“Embora o Buda, Dhamma, e Sangha possam ser diferentes como objetos, aparentemente separados um do outro, eles são na realidade um só em significado.”

Dessa forma quando fazemos com que a mente fique firme com a sua atenção desperta, ela contém todas as qualidades do Buda, Dhamma, e Sangha. É então que a nossa concentração irá se desenvolver da forma apropriada.

Então, eu lhes peço que abandonem qualidades mentais inábeis e limpem a mente de forma que ela fique imaculada e pura. A luminosidade irá então surgir dentro do seu coração. Dessa forma, sem dúvida nenhuma, você experimentará a tranqüilidade e a felicidade, tal como o trecho em Pali garante: Citte sankilitthe duggati patikankha. Citte asankilitthe sugati patikankha. ”Quando a mente está contaminada, um destino ruim pode ser esperado. Quando a mente não está contaminada, um destino feliz pode ser esperado.”




Soltando

Notas de uma Palestra
21 Abril 1953

Soltando.

Uma das razões importantes porque o Buda ensinou o Dhamma foi para nos ensinar a soltar, não se agarrar às coisas. Quanto mais compreendemos o Dhamma, mais somos capazes de soltar. Aqueles que compreendem um pouco, podem soltar um pouco; aqueles que compreendem muito, podem soltar muito.

Como um primeiro passo somos ensinados acerca de dana - ser generosos, dar donativos – como uma estratégia para aprender a soltar. O próximo passo é caga - renúncia aos direitos de posse – que é soltar em um nível mais elevado que dana. E finalmente, em um nível mais refinado, somos ensinados a abandonar todos nossos upadhi, ou as contaminações na mente. Esse é o nível que examinamos e exploramos até obter a libertação final.

Dana significa dar coisas materiais. Se não as damos, é difícil que as deixemos. Na maioria das vezes, se não damos as coisas, mantemos direitos sobre elas e as consideramos como pertencendo a nós. Porém se as damos, não temos mais nenhum direito sobre elas. As coisas às quais nos agarramos são perigosas. (1) Elas podem nos causar dano. (2) Elas causam dano às pessoas que nos roubam. e (3) uma vez que essas pessoas as tenham roubado, então elas afirmam ter direitos sobre elas. O Buda viu esses perigos, e é por isso que ele nos ensinou a ser generosos, a aprender como dar as coisas.

As pessoas que desenvolvem o hábito de ser generosas colhem muitas recompensas. O seu ato de generosidade lhes retorna tanto no presente como no futuro. Elas têm muitos amigos. Outras pessoas confiam nelas. Os seus corações ficam leves – elas não ficam deprimidas com preocupações por ter que cuidar daquelas coisas que foram dadas.

E esses mesmos resultados continuarão a vir no futuro, tal como quando temos um balde cheio de grãos de arroz: se plantamos o arroz em um campo, colheremos dez baldes em troca. O mesmo se aplica com a bondade que desenvolvemos nesta vida. Ela dá um retorno enorme. É dessa forma que as pessoas com sabedoria entendem a generosidade.

Caga é o passo seguinte. Dana é algo que até pessoas malucas podem fazer, porém caga é um tipo de generosidade que somente as pessoas sábias podem fazer, porque o seu senso de posse pessoal tem que ter um fim imediatamente com o ato de dar. Elas vêm todas as coisas materiais como elemento comum: as coisas realmente não nos pertencem, elas realmente não pertencem a outras pessoas.

Ao ver as coisas como pertencendo a você, isso é o apego pela sensualidade. (kamasukhallikanuyoga). Se você vê as coisas como pertencendo a outros, isso é o apego pela mortificação (attakilamathanuyoga). Quando nascemos, não trouxemos nada conosco ao chegar. Quando morremos, não levamos nada conosco ao partir. Dessa forma o que realmente nos pertence? O coração tem que abandonar a noção de posse para que a nossa generosidade seja considerada como caga.

O terceiro nível de soltar é abandonar o que está no coração. Quer demos ou não as coisas, nós as soltamos do coração todos os dias. Nós soltamos das coisas que temos. Nós soltamos das coisas que não temos. Da mesma forma como uma pessoa tem que lavar a sua boca e as suas mãos todos os dias depois de comer se ela quiser permanecer limpa. O que isto significa é que não queremos permitir que nada atue como um inimigo no coração fazendo com que sejamos mesquinhos ou que nos agarremos. Se não fizermos isso, somos o tipo de pessoa que não se lava após uma refeição. Não somos limpos. Permanecemos dormindo sem nunca acordar. Porém se soltamos da forma descrita, a isto de chama viraga-dhamma, ou desapego. Os níveis inferiores de soltar são coisas que apenas podem ser feitas ocasionalmente. O desapego é algo que podemos desenvolver sempre.

Em geral as nossas contaminações nos amarram pelas mãos e pelos pés, e depois nos pregam no chão. É difícil de se libertar, e é por isso que necessitamos de uma habilidade mais elevada, denominada bhavanamaya-pañña – a sabedoria que vem do desenvolvimento da mente em meditação – para obter a libertação.

Desapego é uma qualidade mental que é realmente deliciosa e nutritiva. Todos aqueles que ainda não atingiram este nível do Dhamma comeram apenas a casca da fruta, sem conhecer o sabor e o alimento da polpa. A melhor parte da polpa se encontra no fundo.

Os upadhi-kilesas, ou contaminações da mente, são a ignorância, desejo, e o apego. Se alcançamos o nível em que vemos por nós mesmos o Dhamma dentro de nós, então assumiremos responsabilidade por nós mesmos. Seremos responsáveis por essas coisas, da mesma forma como quando atingimos a maioridade perante a lei.

Se conseguirmos fazer com que as nossas mentes entrem no primeiro jhana, estaremos soltando os cinco obstáculos.

A maioria de nós age como crianças inexperientes: quando comemos peixe ou frango, comemos os ossos junto com a carne porque não desenvolvemos nenhum insight. Quando esse insight surge, ele é mais deslumbrante que a luz de um fogo, mais afiado que uma lança.

Pode consumir qualquer coisa: carne, ossos, arroz, cascas – qualquer coisa – porque é sábio o suficiente para triturar tudo sob a forma de um pó. Pode consumir visões, sons, aromas, sabores, tangíveis, e idéias. Boas ou más, sem ser exigente. Pode devorar tudo.

Se as pessoas nos elogiam, podemos usar isso para alimentar o coração. Se nos criticam, podemos usar isso para alimentar o coração. Mesmo se o corpo estiver com dores terríveis, o coração estará tranqüilo, pois ele tem todos os utensílios necessários para preparar o seu alimento da maneira adequada: moedores, batedeiras, panelas de pressão, panelas, e frigideiras. A neblina da ignorância irá dissipar tudo que nos amarra – os pregos dos cinco agregados do apego, as três amarras (amor pela esposa, amor pelos filhos, amor por possessões materiais), e os oito grilhões dos assuntos mundanos (loka-dhamma) – ganho e perda, elogio e crítica, fama e má reputação, alegria e tristeza – todos irão desaparecer.

As pessoas estúpidas pensam que ficar aprisionadas é confortável, sendo que por isso continuam fazendo mais e mais o mal. Elas vêm o mundo como prazeroso e dessa forma são como prisioneiros que não querem sair da cadeia. Quanto às pessoas com discernimento, elas são como a codorna aprisionada que está buscando uma forma de escapar da gaiola. Como resultado os oito grilhões dos assuntos mundanos que as aprisionam irão desaparecer um elo de cada vez. Os oito grilhões mundanos são como as correntes com as quais se prendem os criminosos. As pessoas estúpidas pensam que essas correntes são colares de ouro para usar como adorno. Na verdade, isso são coisas que contaminam a mente. As pessoas que são acorrentadas com isso nunca conseguirão escapar, porque elas temem que irão perder a sua riqueza e status, temerosas da crítica e da dor. Qualquer um que esteja aprisionado pelo prazer, que teme a crítica, nunca será capaz de vir ao monastério para praticar.

O Buda viu que nós somos iguais a macacos acorrentados. Se não desenvolvemos o insight libertador, nunca nos libertaremos das correntes. Nunca alcançaremos o desapego.

No primeiro estágio soltamos daquilo que é ruim e começamos a fazer o bem. No segundo estágio soltamos daquilo que é ruim e algumas formas do bem. No terceiro estágio soltamos tudo, mal e bem, porque tudo é fabricado pela natureza e dessa forma indigno de confiança. Fazemos o bem porém não nos apegamos a ele. Quando você solta, deve fazê-lo de forma inteligente, e não de uma forma destruidora – isto é, sem fazer o mal. Você não deve se agarrar nem às suas opiniões, muito menos a coisas materiais. Quando você faz o bem, você o faz pelo benefício dos seres vivos do mundo, para os seus filhos e netos. Você faz tudo da melhor forma possível, porém sem apego, porque você sabe que todas as coisas fabricadas são inconstantes. Dessa forma o seu coração será claro e luminoso como uma jóia.

Se você se deixar capturar pela crítica ou elogio, será um tolo. É como beber a saliva de uma outra pessoa. Quando você age da forma correta, existem pessoas que dirão que você está certo e aqueles que dirão que você está errado. Quando você age da forma incorreta, existem pessoas que dirão que você está errado e aqueles que dirão que você está certo. Não existe nada constante acerca do bem ou mal, pois eles não são nada mais que fabricações.





Três Princípios

6 Julho 1956

Em resumo, existem três princípios que são realmente básicos para a meditação:

1) Intenção Correta: Você tem que decidir que irá se soltar de todos os pensamentos e preocupações que dizem respeito ao mundo. Você não irá mantê-los para ficar pensando neles. Cada pensamento e conceito que lida com o passado ou futuro é um assunto mundano, e não do Dhamma. Decida-se que você irá fazer uma só coisa agora: a tarefa da prática, e nada mais. Em outras palavras, você irá trabalhar no presente imediato. A isto se denomina a intenção correta.

2) O objeto correto: Isto significa o tema correto ou ponto focal para a mente. O tema aqui é dhatuvavatthana, ou determinação dos elementos, um dos temas que toma o corpo como fundamento da meditação (kayanupassana-satipatthana). Em resumo, estaremos analisando os quatro elementos que compõem o corpo: os elementos da terra, água, ar, e fogo. O elemento da terra abrange as partes duras do corpo, como os ossos. O elemento da água abrange as partes líquidas, como a urina, saliva, sangue e pus. O elemento do fogo abrange o calor e aquecimento no corpo. O elemento do ar abrange as sensações de energia que fluem no corpo, como a respiração. De todos esses elementos, o mais importante é o elemento do ar, ou a respiração. Se outras partes do corpo são danificadas – digamos, se você ficar cego, ou surdo, ou com os braços e pernas quebradas – você ainda consegue sobreviver. Porém se não tiver nenhuma respiração, não poderá sobreviver. Terá que morrer. Dessa forma a respiração é um objeto importante porque forma a base da nossa consciência.

3) A qualidade correta: Isto significa as sensações de conforto ou desconforto que surgem no corpo. Quando você cuida da inspiração e expiração de tal forma que ela flua livremente através das várias partes do corpo, surgirão resultados. Observe cuidadosamente se os resultados que o corpo e a mente colhem da respiração são bons ou ruins. O corpo se sente livre e tranqüilo, ou ele se sente apertado e contraído? A mente se sente calma, quieta, e prazerosa, ou ela está irritada, distraída, e caótica? Se o corpo e a mente se sentem tranqüilos, isso conta como bons resultados. Se o oposto é verdadeiro, então isso conta como resultados ruins. Dessa forma você tem que ter a noção de como ajustar a respiração de tal forma que ela seja confortável.

Quanto às qualidades corretas da mente, elas são a atenção plena e a plena consciência.

Tente seguir esses três princípios básicos cada vez que você praticar a concentração. Somente então você obterá resultados que serão plenos e corretos.

Quanto às recompensas da concentração, existem muitas. Elas surgem de acordo com o poder da mente da pessoa que está meditando, eu explicarei isso em uma outra ocasião.




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Três Filamentos de uma Corda

19 Agosto 1959

Se você nunca meditou, estes dois princípios fáceis são tudo aquilo que você precisa entender: (1) Pense nas qualidades do Buda; e (2) Pense em trazê-las para dentro da sua mente. O que isto significa é, estar plenamente atento para fazer com que a mente fique firmemente estabelecida unicamente na respiração, sem se esquecer dela ou permitir que você se distraia.

Não se esquecer da respiração significa estar plenamente atento na inspiração e expiração todo o tempo. Não ficar distraído significa que você não agarra nenhuma outra coisa para pensar a respeito. Se a mente está focada porém você está pensando em outra coisa, a isto não se denomina Concentração Correta. A sua atenção plena tem que se manter dentro dos limites da tarefa que você está fazendo, em outras palavras, permanecer com a respiração.

Não coloque pressão sobre a respiração, não a retese, nem a segure. Deixe que ela flua com facilidade e de forma confortável, como quando você coloca um ovo fresco sobre um acolchoado de algodão. Se você não arremessá-lo ou apertá-lo, o ovo não ficará rachado ou quebrado. Dessa forma a sua meditação irá progredir sem percalços.

A respiração é uma coisa, a atenção plena é outra, e a sua consciência ainda outra. Você tem que torcer esses três filamentos juntos de forma que eles não se separem um do outro. Em outras palavras, sua consciência tem que estar junto com o seu ato de atenção plena, focando na respiração. E ambas sua consciência e atenção plena têm que permanecer com a respiração. Somente então você poderá dizer que essas coisas são fatores de meditação.

Quando você for capaz de torcer esses três filamentos em uma única corda, foque a sua atenção na observação da inspiração e expiração para verificar se está confortável ou não, expansiva ou confinada, ampla ou limitada. Qualquer que seja a forma de respiração que você sinta confortável, permaneça respirando dessa forma. Se a respiração não estiver confortável, mude-a até que esteja.

Se você forçar a mente em demasia, ela irá escapulir. Se afrouxar o seu controle em demasia, ela irá se perder. Então tente cuidar dela de tal forma que seja a medida justa. O ponto importante é que a sua atenção plena e plena consciência sejam circunspectas, fazendo ajustes através da respiração. Não permita que a mente flua para outras preocupações.

A atenção plena é como uma pessoa que está viva e desperta. Se falta atenção plena na mente, é como se estivéssemos dormindo com cadáveres em um cemitério. Não há nada exceto odores asquerosos e medo. É por isso que nos ensinam a ter atenção plena em nós mesmos no momento presente todo o tempo. Corte fora todos os pensamentos do passado e futuro sem se agarrar a eles para pensar, pois essas coisas são enganosas e ilusórias, como espíritos e demonios. Elas fazem você perder o seu tempo e o destroem. Então tenha simplesmente consciência da respiração, pois a respiração é o que dá vida e o conduz à felicidade mais elevada.

A atenção plena é como uma sabão mágico que limpa a respiração. A plena consciência é outra barra de sabão mágico para limpar a mente. Se você tiver constantemente a atenção plena e plena consciência em conjunto com a respiração e a mente, o seu corpo e mente serão valiosos e puros, de modo que enquanto você viver no mundo estará tranqüilo; quando você morrer, não enfrentará dificuldades.

Se a mente está focada porém se esquece da respiração e permanece pensando em outras coisas, a isto se denomina Concentração Incorreta. Se a mente abandona alguns dos seus obstáculos, tal como o desejo sensual, através do sono, a isto se denomina a Libertação Incorreta. Somente se a mente estiver firmemente focada na atenção plena e na respiração se trata de Concentração Correta. Somente se a mente abandona os obstáculos por ter sapiência dos seus truques é que se denomina Libertação Correta.

Se a atenção plena e a plena consciência estiverem constantemente estabelecidas na mente, nosso entendimento se tornará correto, nossa concentração se tornará correta, tal como quando dois raios de luz se encontram: eles dão nascimento à luz brilhante da sabedoria. Existem ocasiões em que a sabedoria surge somente por um breve momento na mente, e no entanto pode aniquilar contaminações enormes. Por exemplo, pode soltar todos os agregados do apego. Pode abandonar o entendimento acerca da identidade, soltar do corpo; pode abandonar o apego a preceitos e rituais, soltar das sensações; e pode abandonar a incerteza soltando a percepção, formações mentais, e consciência..

Somos ensinados a desenvolver esse tipo de sabedoria através da prática da Concentração Correta. Mesmo se ela surgir por apenas um piscar de olhos, pode trazer muitos, muitos benefícios. Tal como uma bomba atômica: apesar do seu pequeno tamanho, pode produzir destruição no mundo de uma forma espantosa.

A sabedoria que surge de dentro da mente é algo que não pode ser descrito. É uma coisa mínima, pequena, não como o conhecimento que resulta do estudo e memorização na escola. É por isso que não podemos falar a seu respeito. O Buda até definiu regras de treinamento para os bhikkhus, proibindo-os de falar acerca das suas conquistas espirituais. É por isso que não podemos saber se outras pessoas são nobres discípulos. É algo que cada nobre discípulo pode saber somente por si mesmo e para si mesmo.




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No Portão de um Curral

23 Agosto 1959

Eu gostaria de recomendar os princípios básicos de meditação para os principiantes que nunca fizeram isso antes.

1. Decida-se que você não irá pensar em nada mais, que você irá pensar somente em uma coisa: as qualidades do Buda, ou a palavra buddho.

2. Mantenha firme atenção plena na respiração, pensando bud- com a inspiração, e dho com a expiração. Ou se você preferir, pode simplesmente pensar buddho, buddho.

3. Faça com que a mente fique quieta e então abandone a palavra buddho de tal forma que você possa simplesmente observar a inspiração e a expiração e nada mais. É como ficar parado junto ao portão de um curral e vigiar o gado para observar as suas características quando saem e entram no curral. Qual é a sua cor - preta? marrom? branca? Com manchas? Velhos ou novos? Bezerros ou já adultos? Tenha certeza de que você não sairá caminhando com o gado, pois eles podem lhe dar um coice e quebrar as suas costelas, ou espetá-lo até a morte com os chifres. Fique exatamente no portão. O que isso significa é que você mantém a sua mente quieta em um ponto. Você não tem que fazer com que ela entre e saia com a respiração. Observar as características do gado significa aprender como observar a respiração: inspirar e expirar curto é confortável? Ou inspirar e expirar longo é confortável? E que tal inspirar longo e expirar curto, ou inspirar curto e expirar longo? Aprenda a reconhecer qual o tipo de respiração é mais confortável, e então permaneça com ela.

Assim existem três passos que você precisa seguir: o primeiro passo é permanecer plenamente atento na palavra buddho. O segundo é estar plenamente atento na respiração, pensando bud- com a inspiração e dho com a expiração. Não esqueça. Não se distraia. O terceiro passo, quando a mente estiver quieta, é abandonar a palavra buddho e observar nada mais além da inspiração e da expiração.

Quando você conseguir fazer isso, a mente se acalmará. A respiração irá se acalmar também, tal como uma concha flutuando em um barril com água: a água está parada, a concha está parada, porque não há nenhuma pressão, inclinação, ou impulso nela. A concha permanecerá flutuando em perfeita calma na superfície da água. Ou se pode dizer que igual a escalar o topo de uma montanha muito alta, ou como flutuar acima das nuvens. A mente sentirá nada além de uma sensação fresca de prazer e tranqüilidade. Essa é a raiz, o cerne, o ápice de tudo aquilo que é hábil.

É chamada a raiz porque é uma boa qualidade que penetra fundo e com tenacidade bem no meio do coração. É chamada de cerne porque é sólida e resistente, como o cerne de uma árvore que os insetos não conseguem escavar e destruir. Mesmo que os insetos possam ser capazes de mordiscar a árvore, eles somente conseguem atingir a casca ou a parte debaixo da casca. Em outras palavras, mesmo que as distrações venham nos perturbar, elas somente podem nos atingir até a porta dos sentidos: nossos olhos, ouvidos, nariz, língua, e corpo. Por exemplo, quando visões atingem o olho, elas não vão além do olho. Elas não penetram no coração. Quando sons atingem o ouvido, eles não vão além do ouvido, e não atingem o coração. Quando aromas atingem o nariz, eles não vão além do nariz. Eles não entram no coração. É por isso que dizemos que o que existe de bom na meditação é o cerne daquilo que é hábil, porque as várias formas do mal não podem facilmente destruir a bondade do coração quando ele for sólido e estável, da mesma forma como os insetos não conseguem perfurar o cerne da árvore.

A habilidade de uma mente em concentração é chamada de ápice de tudo aquilo que é hábil porque é elevada em qualidade. Ela pode puxar todas as demais formas de bondade para dentro da mente. Quando a mente está quieta, a sua bondade se espalha para abranger todo o corpo, de tal forma que paramos de fazer coisas inábeis com o corpo. Irá abranger nossa linguagem, de forma que paramos de dizer coisas inábeis com a nossa boca. As coisas inábeis que fizemos com nossos olhos, ouvidos, mãos, serão purificadas. Assim, a bondade que surge da meditação irá purificar nossos olhos e ouvidos, irá purificar as mãos e todas as partes do corpo de forma que elas fiquem todas limpas.

Quando temos a limpeza como responsável pelo nosso corpo, é uma bondade que é elevada em qualidade – tal como a chuva que cai do alto do céu se espalha para cobrir tudo. De quanto mais alto ela cair, mais território irá cobrir. Quando a mente é elevada em qualidade, a sua bondade se espalha para cobrir nossos olhos, ouvidos, nariz, língua, e corpo. Ela se espalha para cobrir visões, sons, aromas, sabores, e sensações tácteis. Ela se espalha para cobrir nossos pensamentos do passado e futuro. Dessa forma, essa bondade se espalha até que no final cubra todo o universo. Essas são, de forma breve, algumas das recompensas que resultam da meditação.

A bondade de qualidade elevada que resulta da meditação é como a chuva que cai do alto do céu. Não somente ela lava as coisas sujas do solo, mas também alimenta as plantas de forma que os seres humanos possam depender delas. Além disso, ela refresca as pessoas com o seu frescor. O Buda derramou a sua bondade sobre o mundo começando pelo dia do seu Despertar, e a sua bondade ainda está chovendo sobre nós 2.500 anos depois. O Buda foi um Grande Ser por causa da bondade de qualidade elevada que ele desenvolveu através da meditação – a mesma meditação que estamos fazendo agora.

Colocando de uma maneira simples: qualquer aspecto de meditação é bom. Não importa quanto você faça, mesmo se aparentemente você não estiver obtendo nenhum resultado, é bom de qualquer forma. Enquanto você simplesmente repete a palavra buddho, isso é bom para a mente. Quando você está plenamente atento na respiração, isso é bom para a mente. Quando você aquieta a mente com a respiração, isso é bom para a mente. Por essa razão, a meditação é algo que você deveria fazer sempre. Não perca a oportunidade para meditar.




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Começando Modestamente

17 Maio 1959

O poder do Buda é mais tremendo do que o de todos os outros seres, humanos e divinos. Seu corpo é enorme, de tal forma que estamos fazendo representações dele desde os tempos antigos até o presente e ainda não terminamos o trabalho. A sua boca é imensamente ampla. Muitas são as coisas que ele disse uma só vez mas que outras pessoas repetiram sem cessar: aqui estou falando sobre seus ensinamentos que os membros da Sangha copiaram como textos e apresentaram como sermões para que pudéssemos ouvi-los até o presente. A boca física do Buda era pequena, porém as suas palavras são espantosamente grandes, é por isso que dizemos que a sua boca era ampla. Os seus olhos são amplos também: eles viram a verdadeira natureza de todo o universo. É assim como são as pessoas realmente boas: elas tendem a ter esse tipo de grandeza.

Grandes coisas como essas têm que surgir de coisas pequenas. Antes que o Buda se tornasse enorme dessa forma, ele primeiro teve que fazer-se pequeno. Em outras palavras, ele se separou da sua família real e foi sozinho para a floresta para sentar-se sob os galhos da figueira-dos-pagodes às margens do rio Nerañjara. Ele deixou a sua inspiração e expiração se reduzir e reduzir até ficarem extremamente sutis, e então o fogo das suas contaminações mentais se extinguiu sem deixar vestígios. Ele despertou para o mais elevado e perfeito despertar por seu próprio mérito, tornando-se um Buda. Seu coração, que ele fez com que se tornasse tão extremamente sutil e pequeno, explodiu externamente com bondade de uma tal forma que é evidente para nós até hoje.

Assim eu peço que realmente coloquemos as nossas mentes na prática da concentração. Não se preocupe a respeito do passado ou futuro ou qualquer outra coisa. Quando a mente está firmemente colocada na concentração, o conhecimento e a sabedoria irão surgir sem que tenhamos que nos preocupar com eles. Não se permita pensar que você quer saber isso ou ver aquilo. Essas coisas virão por si mesmas. Como diz o provérbio, “Aqueles com muita cobiça ganharão somente pouco alimento; aqueles que se contentam com o equivalente a um dedo mindinho ganharão o equivalente a um polegar.” Mantenha isso em mente.

Pois a mente que está em todo lugar, perambulando em busca de conceitos e preocupações externas, acaba minando as forças que necessita para lidar com os seus vários assuntos. O que quer que seja que a mente pense em fazer, obterá sucesso somente com grande dificuldade. É como uma arma com um calibre elevado. Se você colocar nela balas muito pequenas, elas irão chacoalhar internamente e não sairão com muita força. Quanto menor for o calibre da arma, mais força terão as balas quando forem disparadas. É o mesmo com a respiração: quanto mais você estreita o foco, mais refinada ficará a respiração, até que em algum momento você possa respirar através dos poros. A mente nesse ponto tem mais força do que uma bomba atômica.

Os donos de pomares, que são inteligentes, fazem com que as suas bananas lhes ajudem a plantar o pomar, fazem com que as mangas lhes ajudem a plantar o pomar. Eles não têm que investir muito capital. Em outras palavras, eles limpam a terra pouco a pouco, plantam pouco a pouco, colhem pouco a pouco, vendem pouco a pouco, até que o pomar cresça cada vez mais todo o tempo. Dessa forma eles não têm que investir muito em termos de mão de obra e capital, porém os resultados que eles obtêm são substanciais e duradouros. Quanto às pessoas estúpidas, quando elas iniciam um pomar, não importa quão grande, elas investem todo o seu dinheiro, contratam pessoas para limpar o terreno, lavram a terra, e plantam tudo de uma só vez. Se elas tiverem uma seca por três dias ou sete dias seguidos, as plantas murcharão e morrerão. Grama e mato crescerão e tomarão conta do lugar. Nesse ponto, não há nada que se possa fazer, porque o pomar é demasiado grande para eles. Eles não têm o dinheiro para contratar os trabalhadores novamente já que eles usaram os seus recursos no início. Tudo que podem fazer é sentar-se com os braços ao redor dos joelhos, piscando os olhos para afastar as lágrimas. Eles perderam todo o capital e não conseguiram nenhum lucro. Assim é com as pessoas vorazes. Quanto àquelas que se mantêm no seu trabalho com constância, pouco a pouco, os resultados crescem cada vez mais todo o tempo.




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Força para a Jornada

7 Maio 1958

Quando você está sentado concentrado, você tem que se manter vigilante para ver se a mente está estabelecida em todos os fatores componentes da meditação. A sua prática de concentração tem que estar composta de três fatores para que possa ser considerada correta de acordo com os princípios de meditação que fazem surgir o resultado completo que todos nós queremos. Os fatores componentes da meditação são:

O objeto correto. Isto se refere ao objeto com o qual a mente se ocupa - ou em outras palavras, a respiração. Nós temos que focar nossa atenção na respiração e não permitir que ela vagueie em outras direções. A isto se chama o "thana" ou fundamento do nosso kammatthana.

Intenção correta. Uma vez que focamos nossa atenção na inspiração e na expiração, temos que manter nossa atenção plena fixada exclusivamente na respiração pensando bud- com a inspiração, e dho com a expiração. Devemos fazer isso até que a mente esteja quieta e acomodada. Então podemos abandonar a palavra de meditação. Uma vez que a mente esteja quieta e não fique vagando para outros lugares, a atenção plena ficará colada à respiração sem escapar ou ficar distraída. Essa é a intenção, o kamma do nosso kammatthana.

A qualidade correta. Isto se refere à habilidade com a qual podemos melhorar e ajustar a respiração de tal forma que ela se torne confortável. Por exemplo, se a respiração curta é desconfortável, modifique-a para que ela seja um pouco mais longa. Se a respiração longa é desconfortável, modifique-a para que ela seja um pouco mais curta. Observe a respiração longa, respiração curta, respiração rápida ou devagar, e então mantenha a respiração da forma que for mais confortável. Se surgir algum problema ou desconforto, faça mais ajustes. Porém não retese a respiração ou tente segurá-la. Deixe que o corpo inspire e expire com uma sensação de relaxamento. Então você sentirá a respiração relaxada, ágil, e espaçosa. Ela não ficará reprimida em nenhum ponto, não será sentida pesada ou confinada. Quando esse for o caso, uma sensação de satisfação e alívio, uma fresca sensação de tranqüilidade irá surgir na mente. Quanto ao corpo ele se sentirá tranqüilo também. Essa é a essência daquilo que é bom, a habilidade que todos desejamos.

Quando treinamos a mente a permanecer firme nesses três fatores da meditação, ela se tornará adestrada e obediente, e não mais será teimosa - porque uma vez que a nossa mente fique hábil e inteligente, ela ganhará a noção do que é bom para nós, o que não é, quais são os assuntos de outras pessoas, quais são os nossos assuntos. Quando isso acontece, não haverá confusão. É igual a um boi treinado. Podemos colocá-lo para fazer um bom trabalho e não temos que desperdiçar muita corda para mantê-lo amarrado. Dessa forma podemos ficar tranquilos. Mesmo se o deixarmos vagar por conta própria, ele não irá se perder. Quando ele se afasta, irá regressar para o curral por conta própria, pois ele sabe qual curral pertence ao seu dono, qual curral pertence a outras pessoas, qual pessoa é o seu dono e quais não são, qual é o tipo de pasto que ele pode comer, quais plantas são arroz que ele não deve comer. Dessa forma ele não irá invadir as terras de outras pessoas, pisoteando a colheita e comendo o arroz, o que resultaria em todo tipo de controvérsias e sentimentos ruins. Dessa forma, podemos viver em paz.

Ocorre o mesmo com a mente. Uma vez treinada, ela se tornará adestrada. Ela não irá vagar em busca de pensamentos externos e preocupações. Normalmente, a mente não gosta de ficar com o corpo no presente. Às vezes ela flui pelos olhos, às vezes pelos ouvidos, às vezes pelo nariz, pela língua, e pelo corpo, dessa forma ela se divide em cinco correntes diferentes, tal como um rio que se divide em cinco canais ao invés de permanecer em um só: a força da correnteza fica enfraquecida. E além de escapar pelas cinco portas dos sentidos em busca de visões, sons, aromas, sabores, e tangíveis, a mente também flui em busca de pensamentos do passado e pensamentos do futuro sem nunca estar firmemente no presente. Essa é a razão porque ela não sabe o que é a paz, porque não tem nenhum tempo para descansar. Como resultado, a sua força começa a fraquejar, e quando a força da mente enfraquece, também o corpo enfraquece. Quando esse é o caso, não conseguimos terminar nenhum dos nossos projetos, quer seja no nível mundano ou do Dhamma.

Quando isso ocorre, somos como uma pessoa enferma que é um fardo para os seus médicos e enfermeiras. Os médicos têm que fazer visitas para checar os sintomas. As enfermeiras têm que alimentá-la, dar-lhe remédios, e levá-la ao banheiro. Quando ela tenta sentar, necessita de alguém para apoiá-la. As pessoas que cuidam dela ficam sem dormir tanto de dia como à noite, e nunca podem deixá-la só. Quanto às pessoas responsáveis financeiramente, elas têm que tentar encontrar o dinheiro para pagar as contas médicas. Toda a família está angustiada e preocupada, e a própria pessoa doente não encontra consolo. Ela não pode ir a lugar nenhum, não pode fazer nada, não pode comer alimentos sólidos, não consegue dormir: tudo se converte em um problema.

Da mesma forma, quando as nossas mentes não estão calmas e tranqüilas, e ao invés disso ficam correndo atrás de conceitos e preocupações, somos como pessoas enfermas. Não temos as forças para concluir o nosso trabalho. Isso ocorre porque a mente destreinada fica vagando como quer e é muito teimosa. Você não consegue lhe dizer que faça algo. Se você lhe diz para deitar, ela senta. Se você lhe disser para sentar, ela levanta e caminha. Se você lhe disser para caminhar, ela começa a correr, se você lhe disser para correr, ela irá parar. Na verdade você não consegue controla-lá. Sendo assim, todo tipo de qualidades inábeis - ignorância e contaminações como cobiça, raiva, e delusão, ou os cinco obstáculos - irão se estabelecer na mente, submetendo-a e tomando o controle da mesma forma como as pessoas que são tomadas por espíritos. Por conseguinte, nos metemos em todo tipo de confusão e tumulto - tudo porque a mente não tem a força que necessita para resistir à ignorância e expulsá-la do coração.

O Buda viu assim é como as coisas são para a maioria das pessoas, resultando no seu sofrimento, e por isso ele nos ensinou a reunir a força do corpo e a força da mente que necessitamos para combater essas várias formas de sofrimento. Em outras palavras, ele nos ensinou a praticar a concentração e dessa forma fazer com que a força da nossa mente seja firme e sólida. Praticar a concentração significa treinar a mente para que ela fique calma e tranqüila. Quando a mente fica calma e tranqüila por períodos de tempo cada vez mais longos, ela se tornará límpida. Quando ela fica límpida, a luz da sabedoria surgirá dentro dela. Essa sabedoria é a força que capacitará a mente a enfrentar todo tipo de assuntos, tanto bons como ruins, pois ela terá a inteligência que a capacitará a enfrentar sabiamente todas as preocupações que vêm através dos olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e intelecto. Ela será capaz de identificar percepções do passado, presente, e futuro. Ela estará familiarizada com os elementos, agregados e faculdades dos sentidos, sabendo o que é bom, o que não é, o que vale a pena ser pensado, o que não, o que não é verdadeiro, o que é verdadeiro. Quando ela souber isso, se tornará desencantada, desapegada, e irá soltar todos os pensamentos e conceitos, irá soltar os seus apegos ao corpo, soltar dos seus apegos a coisas externas, tudo que surge do processo de fabricação e que não possui uma essência permanente.

Quando a mente conseguir se soltar de todos os pensamentos e preocupações, ela se tornará leve e ágil, tal como uma pessoa que tirou dos ombros e das mãos as cargas que vinha trazendo. Ela pode caminhar, correr, e saltar com agilidade. Ela pode sentar ou deitar com facilidade. Qualquer lugar que ela vá, se sentirá confortável. Quando a mente experimenta uma sensação de conforto, ela fica feliz e plena. Ela não se sente faminta. Quando ela está feliz e plena, ela pode descansar. Uma vez descansada, ela terá força. Qualquer tarefa que ela tome para si, no nível mundano ou do Dhamma, será bem sucedida. Se a mente porém está desprovida da sensação de satisfação, de qualquer forma, ela estará faminta. Quando ela está faminta, ela está de mal humor: irritável e preocupada. Quando esse é o caso, é igual a uma pessoa enferma que não tem forças para completar com tranqüilidade nenhuma tarefa.

Quanto às pessoas que praticaram a concentração até o ponto em que as suas mentes estão calmas e tranqüilas, elas não estão mais famintas, pois elas têm uma sensação de saciedade. Isso lhes dá cinco tipos de forças – convicção, energia, atenção plena, concentração, e sabedoria – que lhes permitirão avançar para níveis ainda mais elevados de bondade. Quando a mente está quieta, ela desenvolve serenidade mental. Quando o corpo está quieto, ele também desenvolve serenidade física: os vários elementos dentro dele estarão tranqüilos e harmoniosos, e não estarão em disputa uns com os outros. Todo o corpo então é banhado na pureza que flui através das correntes da mente através dos elementos da terra, água, fogo, e ar, cuidando deles e protegendo-os. Quando as coisas são cuidadas e protegidas, elas não se acabam. Dessa forma os elementos do corpo atingem um estado de harmonia, dando-lhes a força que necessitam para resistir as sensações de dor e cansaço. Quanto à mente, ela desenvolverá força cada vez maior, permitindo que resista a todo tipo de tormentos mentais. Ela ficará cada vez mais poderosa, tal como a pólvora que é utilizada para fazer foguetes e fogos de artificio. Quando é acesa, ela explode e sobe até o céu.

Quando praticamos a concentração, é como se estivéssemos reunindo provisões para uma viagem. As provisões nesse caso são as qualidades hábeis que desenvolvemos na mente. Quanto mais provisões tenhamos, mais confortavelmente poderemos viajar e percorrer uma distância maior. Poderemos ir para o mundo humano, o mundo dos devas, o mundo de brahma, ou todo o caminho até nibbana. Quando temos muitas provisões, nossa viagem é fácil, pois podemos nos dar ao luxo de ir de carro ou por barco. Podemos ficar em lugares confortáveis e ter comida em abundância para comer. A viagem não irá nos cansar, e poderemos ir longe e rápido. Quanto às pessoas com poucas provisões, elas não podem pagar pela passagem, dessa forma elas têm que seguir descalças, caminhando sobre o cascalho e pisando sobre espinhos, expostas ao sol e a chuva. Elas não conseguem ficar em lugares confortáveis; lhes falta comida; o seu progresso é cansativo e lento. Quando elas chegam ao seu destino elas estão prontas a desistir, pois estão sem forças. Porém quer viajemos rápido ou devagar, todos estamos indo na mesma direção. Por exemplo, suponha que todos estamos indo para Bangcoc. Aqueles que vão à pé chegarão lá em três meses; aqueles que vão de carro, em três dias; enquanto que aqueles que vão de avião chegarão em um instante.

Por essa razão, você não deveria ficar desencorajado nos seus esforços de fazer o que é bom. Desenvolva o tanto de força quanto puder, de forma que tenha as provisões e veículos que necessitar para acelerar o seu caminho para o objetivo. Uma vez que tenha chegado, você experimentará nada além de felicidade e tranqüilidade. Quando você pratica o Dhamma, mesmo que não alcance os caminhos supramundanos, as suas fruições, ou nibbana nesta vida, no mínimo você estará desenvolvendo as condições que irão auxiliá-lo no futuro.

Quando meditamos, é como se estivéssemos dirigindo um carro em uma viagem. Se você tiver a noção de como ajustar e melhorar a sua respiração, é o mesmo que estar dirigindo em uma estrada plana e pavimentada. O carro não irá encontrar quaisquer obstáculos, e mesmo uma viagem longa parecerá curta. Quanto às pessoas que não são centradas na concentração, cujas mentes estão escorregando e deslizando sem noção de como melhorar a sua respiração, elas estão dirigindo os seus carros em uma estrada com lombadas, sem pavimentação e cheia de buracos. Em alguns lugares as pontes caíram. Em outros a estrada foi arrastada pela enxurrada. O que isso significa é que a sua atenção plena tem deslizes e ela permite que a sua mente caia dentro de pensamentos do passado e futuro. Ela não fica no seu lugar no presente. Se ela não sabe como consertar a estrada, continuará a enfrentar perigos e obstáculos. O seu carro continuará atolado. Às vezes ela perde semanas e meses presa em um lugar, e a sua viagem curta se transforma em longa. Às vezes ela retorna ao ponto inicial e recomeça tudo outra vez. Indo e voltando dessa forma, andando em círculos, ela nunca será capaz de atingir o objetivo.

Dessa forma eu peço que vocês se lembrem desta palestra do Dhamma e a tomem com seriedade. Tentem utilizá-la fazendo ajustes na sua mente e vendo o que acontece. Se você treinar a mente corretamente de acordo com os três fatores de meditação que mencionei aqui, é bem capaz que você vá encontrar a paz e a felicidade que está buscando.




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Na Posição

Sem data, 1958

Quando meditadores “se colocam em posição”, exatamente o que estão fazendo? “Se colocar na posição” significa fazer a mente ficar no lugar, fazer ela ficar com o corpo, não permitir que ela vá ficar com outras pessoas ou pensar em qualquer outra coisa. Se a mente fica fora do corpo, é o mesmo que uma bateria descarregada. Você não conseguirá utilizá-la para nada. Você não consegue fazer com que ela produza calor ou luz. É por isso que somos ensinados a manter a mente interiorizada.

Quando as árvores estão encolhidas e secas, é porque elas não têm água para alimentá-las. O mesmo se aplica a nós. Se a mente não fica dentro do corpo, o corpo não irá prosperar. Ele irá se debilitar e desgastar, ficará enfermo de uma forma ou de outra, e no final morrerá devido a esta ou aquela enfermidade. Dessa forma a mente é como a água que permeia o corpo para dar-lhe alimento. Se a mente foca a sua atenção fora do corpo, então o corpo será incapaz de obter qualquer sensação de frescor, satisfação, ou tranqüilidade. Isso é porque a mente é o fator mais importante que influencia o corpo. É o nosso recurso mais valioso.

Agora, sendo a mente assim um recurso valioso, devemos aprender como cuidar dela. Devemos entregá-la a alguém em quem possamos confiar. Em outras palavras, nós a damos em confiança para alguém venerável. Porém a palavra venerável nesse caso não significa veneráveis externos, tal como monges, porque nem todos os monges são dignos de confiança. Alguns deles são bons monges, alguns não são. Se permitirmos que eles nos enganem tomando nossas riquezas, estaremos pior do que antes. Não, venerável nesse caso significa veneráveis interiores: as veneráveis qualidades do Buda, Dhamma, e Sangha dentro da mente.

Quando meditamos, estamos entregando nossas mentes a essas qualidades veneráveis. Elas são qualidades que são gentis e com consideração. Elas não irão nos abusar ou causar dano a ninguem. É por isso que podemos de todo coração confiar nossas riquezas – nossa mente – a elas. Por exemplo, quando meditamos buddho, buddho, temos que ser sinceros com essas qualidades. Nós realmente temos que pensar a seu respeito. Nós não pensamos a seu respeito somente de brincadeira. “Pensar de brincadeira” significa que pensamos sem realmente ter a intenção. Temos que realmente ter a intenção de manter buddho na mente, e a mente com buddho cada vez e todas as vezes que inspiramos e expiramos. Isso é o que significa ser sincero nos nossos pensamentos. É o tipo de pensamento que tem um propósito.

O propósito nesse caso é desenvolver algo dentro de nós com uma essência real e abundante – para criar resultados que serão duradouros. Coisas que não atendem um propósito real são aquelas que dão resultados que não são duradouros. Quando falamos acerca de resultados duradouros: por exemplo, quando você senta aqui e medita, você verá que os resultados continuarão aparecendo mesmo depois da sua morte. Porém se você não estiver realmente meditando, se você deixa a sua mente pensar em outras coisas, você verá que os resultados desaparecerão com a morte, porque as coisas nas quais você pensa não são certas ou óbvias. Elas não duram. Elas terão que mudar, deteriorar, e terminarão por desaparecer e morrer da mesma forma que você.

Quando fazemos com que fiquemos quietos e tranqüilos – quando colocamos a mente em concentração – é como se estivéssemos carregando a bateria. Uma vez que a bateria está carregada, podemos usá-la quando quiser. Quando a nossa bateria está plenamente carregada – plena de sabedoria – podemos usá-la para qualquer tipo de propósito. Podemos ligá-la a um fio e utilizá-la para cozinhar nossa comida ou iluminar nossa casa. Se simplesmente a carregamos, sem conectá-la a nada, a corrente permanecerá ali, fresca na bateria, sem causar dano de qualquer tipo, tal como a carga em uma pilha para lanternas. Se a bateria estiver sem uso, podemos tocá-la com nossas mãos e notar a sensação fresca, nem um pouco quente – e no entanto ainda existe o fogo da eletricidade dentro dela. Se necessitamos luz ou queremos cozinhar nossa comida, tudo que temos que fazer é conectar um fio e virar o botão, e a eletricidade sairá da bateria para realizar o quer que seja que tenhamos em mente.

A nossa “bateria” é a mente concentrada. Se conectamos o fio da ardência para assar nossas contaminações, o poder da nossa corrente, ou sabedoria, as queimará até que se convertam em cinzas. Da mesma forma como quando cozinhamos para eliminar a crueza dos alimentos: evitamos que o alimento se estrague beneficiando o corpo. Da mesma forma, as pessoas que possuem sabedoria dentro de si podem eliminar todas as contaminações que representam o perigo e causam sofrimento para o corpo e mente. Essa é a razão porque somos ensinados a desenvolver concentração: de forma a acumular a sabedoria que irá nos beneficiar nesta vida presente e na próxima.




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Duas Meditações Protetoras

11 Agosto 1956

Ao sentar e meditar, permaneça observando dois fatores importantes:

1. O corpo, que é onde a mente habita; e

2. A mente, que é o fator responsável pelo bem e pelo mal..

A mente é extremamente instável e rápida. Ela gosta de escapar para procurar todo tipo de coisas sem sentido, coisas que nos trazem nada além de problemas. Ela não gosta de permanecer em um só lugar. Agora ela corre para cá, depois corre para lá, trazendo todo tipo de sofrimento. É por isso que dizemos que ela é instável e rápida: facilmente distraída, difícil de ser cuidada. Agora, já que a nossa mente é assim instável e rápida, o Buda teve que procurar um método através do qual possamos tomar esse ponto fraco e convertê-lo em algo bom. Ele nos ensinou a desenvolver a concentração através do foco no corpo. Em outras palavras, ele nos faz fixar nossa atenção em um dos fatores realmente importantes do corpo, a respiração. A respiração é o que nos ajuda a encontrar conforto e tranqüilidade em todas as partes do corpo. É o que mantém o corpo vivo. Todas as nossas portas do sentidos – os olhos, os ouvidos, o nariz, a língua, o corpo, e a mente – dependem da respiração para criar as sensações através das quais as impressões das coisas externas são recebidas e trazidas para ter um efeito no corpo. Por exemplo, a função dos olhos é receber impressões das formas para que as possamos ver. A função dos ouvidos é receber as impressões dos sons para que as possamos ouvir. A função do nariz é receber a impressões dos aromas para que os possamos cheirar. A função da língua é receber as impressões de sabores para que os possamos saborear. A função do corpo é receber impressões dos tangíveis para que possamos tocar. A função da mente é receber impressões das várias coisas que vêm através dos outros cinco sentidos.

Dessa forma quando meditamos, temos que fechar com força todas essas portas dos sentidos. Fechamos os nossos olhos: não temos que olhar para objetos bonitos ou feios. Fechamos nossos ouvidos, assim não precisamos ouvir nada que não é necessário – isto é, qualquer coisa que não seja benéfica de ser ouvida. Somente as palavras que nos aconselham a fazer o bem deveriam ser ouvidas. Quanto ao nariz, é necessário para a vida. Se não tivermos o nariz como passagem para a respiração, começaremos a ter problemas em outras partes do corpo, assim nós o mantemos aberto. Quanto à boca, nós a mantemos fechada. Quanto ao corpo, nós o mantemos em uma posição, tal como quando sentamos com as pernas cruzadas, como estamos fazendo agora.

Temos que tentar manter essas portas dos sentidos fechadas, dessa forma não usamos nossos olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, ou mente em qualquer outra atividade exceto a prática da concentração. Nós colocamos a mente em um só objeto, assim ela fica na sua morada, o corpo, com as portas e janelas todas fechadas.

A mente é a característica do coração ou elemento do coração. A natureza da mente é que ela é mais rápida que o ar no espaço, que flui para cá e para lá, para cima e para baixo, e nunca fica em um lugar. Dessa forma temos que trazer nossa atenção plena para dentro da mente para que possamos tomar esse ponto fraco e revertê-lo em algo bom. A isto se denomina bhavana, ou desenvolvimento da mente através da meditação. Focamos na respiração e nos recordamos das qualidades do Buda. Quando começamos a recordar do Buda dessa forma, nós simplesmente pensamos na palavra buddho. Nós ainda não precisamos analisar o seu significado. Buddho é o nome para atenção plena. Significa estar atento, estar desperto. Mas se simplesmente pensamos na palavra buddho, ela não irá preencher todos os fatores para o desenvolvimento mental através da meditação. Quando pensamos na palavra, temos que firmá-la e ajustá-la de tal forma que ela fique no mesmo ritmo da respiração. Quando respiramos, temos que respirar da maneira justa, não muito devagar, não muito depressa, da forma como for natural. Então pensamos buddho indo e vindo com a respiração, ajustando o nosso pensamento de tal forma que ele se funda com a respiração. É quando podemos dizer que estamos preenchendo os fatores de meditação.

A isto se denomina recordar-se do Buda, quando pensamos nas qualidades do Buda de uma forma abreviada, dependendo da respiração como nosso foco e mantendo a nossa atenção plena como responsável pelo pensamento.

Quando a atenção plena e a plena consciência se tornam únicas com a respiração, nossos vários sentidos ficarão regulados e calmos. A mente ficará gradualmente cada vez mais quieta, pouco a pouco. A isto se denomina estar estabelecido na primeira “meditação protetora” – recordação do Buda – quando usamos nosso pensamento como um caminho para a prática.

Este tipo de pensamento produz resultados para todos os tipos de Budistas. Ao mesmo tempo, ele nos traz os fatores que auxiliam a mente – atenção plena e plena consciência – os fatores que suportam a mente para que ela se estabeleça na bondade.

A segunda meditação protetora é o amor bondade. A palavra amor bondade – metta – vem de mitta ou amigo. Como uma qualidade, ela significa amor, benevolência, familiaridade, intimidade. Quando imbuímos a nossa mente de amor bondade, escapamos da animosidade e da hostilidade. Em outras palavras, devemos nos lembrar que permaneceremos com o nosso amigo todo o tempo. Não sairemos vagando. Não deixaremos o nosso amigo desamparado. Nosso amigo, nesse caso, é o corpo, porque o corpo e a mente têm que depender um do outro todo o tempo. O corpo tem que depender da mente. A mente tem que depender do corpo. Quando as pessoas são amigas elas têm que amar uma às outras, desejar o bem umas às outras, permanecer umas com as outras, ter a intenção de auxiliar umas às outras em todas ocasiões. Elas não abandonam umas às outras.

Dessa forma diga a si mesmo que quando o corpo inspira, você irá permanecer com a respiração. Em Pali, a respiração é denominada kaya-sankhara, ou formação do corpo, porque é o que fixa o corpo para mantê-lo vivo. É como o cozinheiro que prepara a comida em uma casa para que as pessoas da família possam comer até ficar satisfeitas e felizes. Se existe algo de errado com o cozinheiro, então haverá tumulto e confusão na casa. Se o cozinheiro do corpo – a respiração - fica estranho, tudo mais no corpo – os elementos da terra, água, ar, e fogo – irão sofrer e serão jogados num torvelinho. Dessa forma podemos dizer que a respiração é o elemento que cuida de todos os elementos do corpo. Por exemplo, nós inalamos o ar para os pulmões. Ali ele limpa o sangue nos pulmões, que é enviado para o coração. A função do coração é enviar o sangue para alimentar todas as partes do corpo, assim a energia do sangue e da respiração fluirão normalmente. Se a respiração não for boa como deveria ser, os pulmões não serão bons como deveriam ser. O coração não será bom, o sangue que ele bombeia não será bom, assim as várias partes do corpo irão sofrer como conseqüência. Isso é o que significa estarem os elementos do corpo contaminados.

Se a mente realmente tem amor bondade com o corpo, então ela tem que cuidar da respiração para mantê-lo funcionando adequadamente. Dessa forma temos que cuidar do nosso “cozinheiro” para assegurar-nos de que ele não esteja sujo, preguiçoso, ou apático. De outra forma, ele colocará veneno na nossa comida para nos matar, ou impurezas na nossa comida para que fiquemos doentes. Assim temos que nos assegurar que o nosso cozinheiro tenha hábitos limpos e puros, tal como quando respiramos as qualidades do Buda com cada respiração.

A respiração acompanhada por buddho é chamada de respiração sukkha, ou a respiração limpa, clara. Quando o mestre da casa é limpo e circunspecto dessa forma, o cozinheiro terá que ser limpo e circunspecto também. Todos os empregados na casa terão que ser limpos. Em outras palavras, quando temos atenção plena, a respiração que vai para dentro do corpo será uma respiração pura. Quando ela alcança o coração, limpará o sangue no coração de tal forma que ele também será puro. Quando o coração bombear esse sangue puro, enviando-o para alimentar o corpo, o corpo será purificado também. E a mente então se sentirá bem. Em outras palavras, com o coração bom, o alimento no sangue será bom. Quando a mente está em boa forma dessa maneira, o sangue não ficará anormal. E quando esse sangue bom é enviado para alimentar os nervos através do corpo, o corpo irá funcionar bem. Não se sentirá cansado ou dolorido.

Isso porque ajustamos bem a nossa respiração, assim podemos tratar todo tipo de doenças e dores. Quando a pureza da respiração se espalha por cada vaso sanguíneo, as coisas ruins que estão no corpo irão se dissipar. Aquelas que ainda não surgiram não terão condições de surgir. Isto auxiliará o corpo a ficar balanceado e normal.

Quando a respiração está em boas condições e o coração está em boas condições, então o elemento do fogo no corpo não será tão forte. Se a respiração não estiver bem, ou se estiver muito quente, então o elemento do fogo ficará desequilibrado. Quando fica muito quente, o sangue engrossa e fica entalado nos vasos capilares, fazendo com que fiquemos sonolentos ou com dor de cabeça. Se fica frio demais, faz com que tenhamos calafrios ou fiquemos febris.

Assim a respiração é mais importante do que qualquer outro elemento do corpo. Ele ajuda o elemento do fogo, que por sua vez distila o elemento água. O elemento água no corpo pode ser de dois tipos: a parte que endurece e se transforma em terra, e a parte que permanece líquida por sua própria natureza. Quando a respiração funciona da maneira adequada, todos os demais elementos funcionam de maneira adequada e o corpo se sentirá descansado e tranqüilo.

A isto se denomina demonstrar amor bondade consigo mesmo. A mente fica com a respiração, a respiração fica com o corpo, o corpo fica com a mente. Eles não abandonam um ao outro. Eles são amorosos, íntimos, harmoniosos – eles são bons amigos.

Quando as pessoas ficam juntas elas se tornam intimas e próximas uma da outra. Se elas não ficam uma com a outra, elas não conseguem ficar próximas uma da outra. E quando não estão próximas, elas realmente não se conhecem.

Quando as pessoas são amigas e estão próximas, elas confiam umas nas outras. Elas contam os segredos uma para a outra. Elas não escondem o que está acontecendo. Da mesma forma, quando nos tornamos amigos próximos do corpo, iremos aprender os segredos do corpo. Por exemplo, podemos aprender qual kamma no passado levou ao nascimento do corpo da forma como ele é – como foram nossas vidas passadas, que coisas boas e más fizemos, que resultaram no corpo ser desta ou daquela forma. Aprenderemos como os quatro elementos do corpo funcionam. Aprenderemos como as coisas surgem e desaparecem nas características do olho, ouvido, nariz, língua, corpo, e intelecto. Aprenderemos os segredos dos vários assuntos conectados com o corpo, porque ele terá que nos revelar a sua verdadeira natureza – tal como quando destampamos uma vasilha de servir, permitindo que vejamos o que está dentro da vasilha.

Quando aprendemos dessa forma como as coisas funcionam no corpo, a isso se denomina vijja, ou entendimento correto. Esse tipo de entendimento surge do silêncio da mente. Quando o corpo e a mente estão ambos juntos em silêncio, eles proporcionam conhecimento um ao outro. Da mesma forma com as pessoas: se somos amigáveis com elas, elas tenderão a ser amigáveis conosco. Se somos antagonísticos com elas, elas serão obrigadas a nos antagonizar. Da mesma forma, quando o corpo é amigável com a mente, a mente tenderá a ser amigável com o corpo. Em outras palavras, ela pode ajudar as várias partes do corpo. Ela pode ajudar a fazer o corpo agir de acordo com os seus pensamentos. Se, por exemplo, existe uma sensação de dor ou cansaço, podemos reunir o poder da mente com força total para pensar na sensação desaparecendo, e aquela sensação de dor ou cansaço pode ser que desapareça por completo, simplesmente através do poder de um único momento da mente. As pessoas que ajudaram umas às outras no passado têm que se ajudar todo o tempo. Se podemos ajudá-las, elas tenderão a nos ajudar.

A habilidade para fazer isso vem do poder da mente que é capaz de dar ordens de acordo com as suas aspirações. Quando podemos fazer com que nosso amigo se torne bom através da força do nosso pensamento, então todos nossos amigos podem se tornar bons. Por exemplo, quando pensamos em purificar a respiração, a respiração irá auxiliar a melhorar o elemento fogo. O elemento fogo irá auxiliar a melhorar o elemento água. O elemento água irá auxiliar a melhorar o elemento terra. Quando todos elementos se auxiliam mutuamente desta forma, eles ficam balanceados e auxiliam o corpo, assim o corpo poderá ser sadio.

Quanto à mente, ela fica fresca e tranqüila. Qualquer pessoa que se aproxime irá apanhar um pouco dessa calma também. Da mesma forma como uma montanha fresca nas suas profundezas: quem quer que passe por perto também será refrescado, mesmo que a montanha não os salpique com água para refrescá-los.

Até agora temos falado sobre o corpo. Quanto à mente, quando ela é pura dá resultados ainda maiores. Quando pensamos em usar o poder da mente pura, a sua energia vai mais rápido do que raios cortando o céu, e ela pode ir a qualquer canto do mundo. Se alguém quer se aproximar para nos causar dano, não consegue chegar próximo, porque uma mente pura, forte, tem o poder de se proteger contra todos os tipos de perigo. Tome o Buda como um exemplo: ninguém poderia matá-lo. As pessoas que pensaram em matá-lo, assim que chegavam próximo dele, o viam como o seu amado pai. Aquelas que foram submetidas à pureza do Buda abandonaram os seus hábitos ruins e se converteram em boas pessoas; elas abandonaram a violência e o vício, tornando-se gentis e moderadas. Angulimala por exemplo: se ele não quisesse ouvir o Buda, ele seria devorado pela terra. Porém ele foi capaz de pensar, “O Buda não irá me matar. Eu não matarei ninguém.” Ele imediatamente largou as suas armas, e abandonou a matança de uma vez por todas, se ordenou, e se tornou um dos nobre discípulos do Buda.

Assim da mesma forma, devemos pensar nas qualidades do Buda, Dhamma, e Sangha com cada inspiração e expiração. Quando permanecemos dessa forma dentro do território do Dhamma, é como se estivéssemos tendo uma audiência com o próprio Buda. Mesmo que – quando pensamos nas qualidades do Buda, Dhamma, e Sangha – estamos percorrendo o mesmo velho território outra vez, o que há de errado nisso? Na verdade, quando usamos os nossos poderes de pensamento aplicado (vitakka) e sustentado (vicara) indo e vindo dessa forma, os resultados que obtemos são positivos: uma sensação de plenitude se espalha por todas as partes do corpo. A mente se sentirá plena e luminosa. O coração se sentirá florescendo, estabelecido na sensação de plenitude, ou êxtase (piti), que vem com os pensamentos de amor bondade. Quando o coração está pleno dessa forma, estará tranqüilo, da mesma forma como quando comemos nossa porção de comida. E quando o coração está pleno, o seu amigo, o corpo com certeza irá se sentir pleno e descansado também. Estaremos tranqüilos ambos o corpo e a mente, igual a quando vemos nossos filhos ou netos bem alimentados e dormindo bem. A isto se denomina felicidade (sukkha). E quando vemos que algo traz a felicidade para os nossos filhos e netos, temos que focar nossos esforços nisso continuamente. Assim é como a mente alcança a sua unicidade (ekaggatarammana), entrando num estado de paz, livre de todo tipo de perturbação e perigo.




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Sendo Anfitrião

27 Setembro 1956

Quando você senta e medita, diga a si mesmo que o seu corpo é como a sua casa. Quando você repete a palavra buddho com a respiração, é como convidar um monge a entrar na sua casa. Quando as pessoas convidam um monge para as suas casas, o que é que elas fazem de modo a demonstrar boas maneiras? 1) Elas têm que preparar um lugar para ele sentar. 2) Elas lhe dão boa comida ou água para beber. 3) Elas conversam com ele.

Quando meditamos, “preparar um lugar para sentar” significa pensar bud- com a inspiração, e dho com a expiração. Se somos atentos em pensar dessa forma, a palavra buddho estará sempre junto com a respiração. Sempre que o seu pensamento escapar da respiração, é como se fizéssemos um rasgo no assento que estamos preparando para o nosso hóspede. E não se esqueça que antes de preparar o assento, você primeiro tem que varrer o lugar para que fique limpo. Em outras palavras, quando você começa, deve respirar longa e profundamente e expirar o ar completamente, por duas ou três vezes. Então você permite que a respiração se torne mais leve, pouco a pouco, até o ponto em que você possa acompanhá-la confortavelmente. Não permita que ela enfraqueça mais ou seja mais longa daquilo que é a medida justa. Então você começa a combinar buddho com a inspiração e a expiração. Quando você faz isso, o seu monge visitante virá para a sua casa. Agora se assegure de que você irá permanecer com ele. Não saia correndo para algum outro lugar. Se a sua mente sai correndo ou fica vagando com conceitos externos de passado ou futuro, é o mesmo que se você tivesse fugido do monge que convidou para a sua casa – o que realmente não são boas maneiras.

Uma vez que o monge tenha sentado no assento que você lhe preparou, você deve dar-lhe boa comida ou água, e então encontrar coisas boas para conversar com ele. A boa comida neste caso é a comida das intenções, a comida do contato sensual, e a comida da consciência. A comida das intenções significa a forma como você ajusta a respiração de tal forma a fazer com que ela seja confortável tanto para o corpo como para a mente. Por exemplo, você está vigilante para ver que tipo de respiração é boa para o corpo, e qual tipo é má. Qual tipo de inspiração se experimenta facilmente? Que tipo de expiração se experimenta facilmente? A sensação de inspirar e expirar rápido é boa? E que tal inspirar e expirar devagar? Você tem que experimentar e então provar a comida que você preparou. Esse é um tipo de comida para a mente. É por isto que a intenção de permanecer com a respiração é chamada de comida da intenção. Quando você ajusta a respiração até o ponto em que você a sente confortável e em boa ordem, ela fará surgir uma sensação de plenitude e tranqüilidade. É quando você pode afirmar que proveu ao monge que o está visitando com comida boa e nutritiva. Quando ele terminar a refeição, ele irá cantar bênçãos pelo seu bem-estar e felicidade, de forma que você se livre da dor e do sofrimento. Ou, como diz o ditado, o poder do Buda elimina o sofrimento. Em outras palavras, quando você ajustou a respiração da maneira adequada, as dores no corpo irão desaparecer. Mesmo que exista alguma dor que não desapareça, ela não invadirá a mente. Quanto à dor e sofrimento no coração, isso irá desaparecer completamente. A mente irá se acalmar. Quando ela se acalmar, ela estará tranqüila – quieta e luminosa.

E quanto ao ditado que diz que o poder do Dhamma elimina os perigos: as várias formas de Mara que vêm para perturbar o corpo, tal como as dores dos agregados, todas desaparecerão. A mente estará livre de perigos e animosidades.

E quanto ao ditado que diz que o poder da Sangha elimina as enfermidades: todas as várias enfermidades na mente – tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero – irão desaparecer. Dessa forma, uma vez que você tenha convidado este monge para a sua casa e tenha lhe dado boa comida, ele lhe dará três tipos de benção: você se livra da dor, do perigo, e da enfermidade. Isto é parte da benção que o seu monge visitante lhe dará. Porém, se tendo convidado um monge para a sua casa, você sai correndo para fora – em outras palavras você se esquece da respiração ou fica vagando com pensamentos externos – isso é realmente grosseiro, e o monge será colocado em uma situação dificil. É como se você o tivesse convidado à sua casa mas tivesse esquecido de preparar a refeição. Assim se você não estiver realmente com a intenção na respiração e realmente não recepcionar o monge na sua casa, você não terá esse tipo de bençãos.

A última tarefa ao convidar o monge para a sua casa é de conversar com ele. Uma vez que ele tenha terminado a refeição, você conversa com ele. Isto é representado pelas qualidades do pensamento aplicado, sustentado, êxtase, felicidade, e unicidade da mente. Você conecta todos os seis tipos de energia da respiração no corpo de tal forma que todos fluem de um para o outro – como quando você instala uma linha telefônica. Se a linha permanecer em boas condições, você poderá ouvir o que as pessoas dizem em qualquer lugar do mundo. Porém se a linha for cortada, você não terá idéia do que estão dizendo mesmo estando em Bangcoc a uma pequena distância. Então se você mantém a sua linha em boas condições, você pode ouvir qualquer coisa que é dita em qualquer lugar. Quando a mente permanece desta forma no primeiro jhana, é como se o seu monge visitante estivesse conversando com você e você com ele. E as coisas acerca das quais estão conversando são todas do Dhamma. Isso faz você ficar de bom humor. Conforme o tempo passa, você se sente tão bem que não quer nem comer. Isso é o êxtase: o corpo se sente satisfeito. Ao mesmo tempo, a mente está livre de perturbações e assim sente felicidade. Sempre que você obtiver a sensação de felicidade, você permanecerá interessado naquele ponto: isso é a unicidade da mente.

Quando você recepciona o seu monge visitante desta forma, ele continuará a visitá-lo. Não importa aonde você vá, ele será capaz de encontrá-lo. Mesmo se você estiver nas montanhas ou na floresta, ele será capaz de lhe dar toda ajuda que você precisar.




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Uma Imagem do Buda

31 Agosto 1958

Nossa bondade: o que podemos fazer para torná-la realmente boa? Para a bondade de hoje gostaria que cada um de nós colocasse a mente em moldar uma imagem do Buda dentro da mente para nos proteger, porque os Budas são as coisas mais sagradas e divinas que qualquer outro objeto no mundo. Eles podem nos proteger e ajudar a sobreviver todo o tipo de perigos e sofrimentos. Como nos diz o canto em Pali, "Sabba-dukkha sabba-bhaya sabba-roga vinassantu," que significa, “Todos os sofrimentos, todos os perigos, todas as enfermidades podem ser destruídas através do poder do Buda, Dhamma, e Sangha.”

Quem quer que tenha uma imagem interna do Buda estará protegido dos três principais temores. O primeiro tipo de temor é o medo do sofrimento, isto é, nascimento, envelhecimento, enfermidade, e morte. O Buda não tem absolutamente nenhum temor dessas coisas, pois ele as afastou em todas as suas formas ... Os vários tipos de perigos, tal como o perigo de criminosos: quem quer que seja que tente roubar os seus bens, o Buda não tem o menor temor, pois os seus bens não são do tipo que alguém possa roubar. O perigo do fogo: Sem mencionar incêndios de casas ou ser bombardeado por armas nucleares. Mesmo se o fogo do fim da eternidade fosse queimar todo o mundo, ele não ficaria assustado ou temeroso. O perigo de enchentes: mesmo se a água fosse inundar da terra até o céu, ele não estaria preocupado. O perigo da fome, seca, e peste não o fariam sofrer ou o colocariam em dificuldade. As várias enfermidades que surgem no corpo não lhe causam nenhum temor. Simplesmente olhe para a imagem do Buda à sua frente. Quais perigos ele teme? De onde? Não importa o que alguém lhe faça, ele simplesmente está ali sentado perfeitamente imóvel, sem temer absolutamente nada. É por isso que devemos moldar um Buda dentro de nós mesmos assim poderemos usá-lo em volta do pescoço e proteger-nos do perigo aonde quer que formos.

Agora, quando uma imagem do Buda é moldada, qual é o processo? A primeira coisa é fazer um molde que seja lindo e bem proporcionado. Então o molde é aquecido até que o calor penetre completamente. Então o metal derretido é derramado dentro do molde. E deixado esfriar. Quando estiver completamente frio, os pedaços do molde são retirados, deixando somente a imagem do Buda, mas ainda a imagem do Buda é grosseira e sem atrativos. A imagem será polida até que se possam ver reflexos claros, ou então pintá-la com laca e revesti-la com folhas de ouro. Somente então a imagem do Buda estará terminada de acordo com os seus objetivos.

Então agora que estamos moldando um Buda dentro de nós, temos que aquecer o nosso molde antes de que possamos derramar o metal. Faça de conta que o corpo nesse caso é o seu molde; sua mente o artesão especialista. Quero que todos coloquemos as nossas mentes em moldar um Buda dentro de nós mesmos. Quem vai ter o Buda mais bonito, depende de quão capaz e hábil cada artesão é na fundição.

Como aquecemos nosso molde? Aquecemos o molde sentandos em concentração: sua perna direita sobre a esquerda, as suas mãos colocadas sobre o colo com as palmas para cima, a sua mão direita sobre a esquerda. Sente-se ereto. Não se incline para a frente ou para trás ou para qualquer um dos lados. Se o molde não estiver centrado, o seu Buda também não estará centrado. O próximo passo é fixar a atenção plena na respiração, pensando bud- com a inspiração e dho com a expiração. Permaneça focado exclusivamente na respiração. Você não precisa pensar em nada mais – tal como se você estivesse bombeando ar no seu forno para aquecer o molde. Se a sua atenção não permanecer com a respiração – se você esquecer ou por desatenção pensar em outras coisas – é como se o seu fole quebrasse. O fogo não ficará intenso, e o molde não irá ficar completamente aquecido. Se o molde não ficar completamente aquecido, então quando você despejar nele o metal derretido, o molde irá rachar e o metal irá vazar por todos os lados. Dessa forma você tem que ser cuidadoso para que o seu molde não rache, se assegure também de que o seu fole não irá se desgastar. Em outras palavras, mantenha a plena consciência sobre a sua atenção plena de forma que ela não fique distraída ou esquecida.

Agora vamos falar sobre como você derrete o seu metal – bronze, ouro, prata, ou qualquer tipo de metal que você irá usar para moldar a sua imagem do Buda. Quando uma imagem é moldada, o metal é derretido e todas as manchas e impurezas são removidas, deixando nada além do metal na sua forma mais pura. Somente então o metal poderá ser utilizado para moldar a imagem. Da mesma forma, temos que eliminar do coração todos os conceitos e preocupações que atuam como obstáculos. Os cinco obstáculos são como impurezas misturadas com ouro. Se não os dissolvemos ou removemos do coração, nossa imagem do Buda não sairá perfeita e poderosa como nós gostariamos. Ela estará manchada e cheia de buracos. Se você a colocasse em um altar, a sua aparência não seria inspiradora. Se você a desse, ninguém gostaria de recebê-la. Dessa forma é necessário – crucial – que o seu artesão especialista seja meticuloso, diligente, e não descuidado, que ele faça um esforço concentrado para purificar o metal que ele está utilizando. Em outras palavras, você tem que varrer para o lado todos os conceitos de passado e futuro, deixando somente o presente: a respiração. Tenha atenção somente na respiração. Quando o seu molde estiver completamente aquecido (isto é, com plena consciência em relação a todo o corpo), o seu fole está trabalhando bem (isto é, a atenção plena está firme e forte), e o seu metal está puro e sem manchas (isto é, não há obstáculos no coração), então a imagem do Buda que você está moldando será bonita e irá satisfazê-lo.

Moldar uma imagem do Buda dentro de você significa sentar em concentração, dando origem à paz e calma na mente. Quando a mente está em paz, o corpo está em paz. O êxtase – uma sensação de plenitude no corpo e na mente – irá surgir dentro de você ( isto é, quando a atenção plena preenche o corpo, a sua consciência preenche o corpo também). Quando o êxtase surge com força total, ele dá lugar à felicidade. Quando existe muita felicidade, a mente se torna clara e luminosa. A luminosidade da mente é o conhecimento do insight que liberta. Você vê a verdade do corpo, que ele é constituído simplesmente dos quatro elementos terra, água, fogo, e ar – não é seu, nem de ninguém. É impermanente. Cheio de sofrimento. Isso dá origem a uma noção de desencantamento e desapego, dessa forma você se solta do processo de fabricação mental e física, vendo que nisso não existe substância real. Você pode separar o corpo da mente.

A mente então estará livre da sua carga de ter que ficar rebocando o corpo físico. Ela se converte em uma mente que é livre, leve e relaxada. Qualquer direção que você olhe estará amplamente aberto – como se você removesse o piso, paredes e teto da sua casa: se você olha para baixo vê o chão. Se olha para cima, vê as estrelas. Olhe em volta para as quatro direções e verá que não há nada para obstruir o seu campo de visão. Você pode ver tudo claramente. Se você olhar para o oeste verá a nobre verdade do sofrimento. Olhe para o sul e verá a causa do sofrimento.Olhe para o leste e verá a cessação do sofrimento. Olhe para o norte e verá o caminho. Se você conseguir ver dessa forma se diz que você é uma moeda completa, isto é, vale quatro quartos. E se você conseguir os quatro quartos muitas vezes, você ficará cada vez mais valioso. Você se tornará uma pessoa rica com muitas riquezas – isto é, nobres tesouros. Você estará livre da pobreza.

Quem quer que possua nobres tesouros se diz que é uma nobre pessoa. Nobres pessoas são aquelas que viram as quatro nobres verdades. Quem quer que veja as quatro nobres verdades se diz que viu o Buda dentro de si. O Buda gosta de ficar com pessoas desse tipo – e quando o Buda está conosco, seremos abençoados e não enfrentaremos dificuldades. Simplesmente estaremos indo cada vez mais alto. É por isso que deveríamos todos moldar um Buda dentro de nós através da prática da concentração sempre que tivermos a oportunidade.

Uma outra forma de moldar um Buda dentro de nós é meditar constantemente acerca das impurezas do corpo, como quando cantamos: Ayam kho me kayo: este meu corpo. Uddham padatala: da ponta do dedão até a cabeça – como é ele? Addho kesamatthaka: da coroa da cabeça até o dedão, como é ele? Tacapariyanto: dentro deste saco de lona, que valores temos? A pele que cobre este corpo é como um saco de lona cheio de todo tipo de coisas, então vejamos que valores fantásticos temos aqui neste saco. Começando com as costelas, coração, fígado, pulmões, intestinos, comida no estômago e intestinos, sangue, bílis, urina. Que tipo de valores atraentes são essas coisas?

Se você olhar com cuidado para o seu corpo, verá que o que você tem são os quatro estados de privação, nada de maravilhoso.

O primeiro estado de privação é o reino animal: todos os vermes e germes que vivem em nosso estômago e intestinos, nos vasos sanguíneos e nos nossos poros. Enquanto houver alimento nesses lugares para essas criaturas comerem, eles sempre estarão conosco, multiplicando-se como loucos, tornando-nos enfermos. Na parte externa do corpo existem pulgas e piolhos. Eles gostam de ficar com aqueles que não se mantêm muito limpos, tornando a sua pele vermelha e inflamada. Quanto aos animais que vivem nos vasos sanguíneos e poros, eles nos causam erupções e infecções.

O segundo estado de privação é o reino dos fantasmas famintos, isto é, os elementos terra, água, fogo, e ar no corpo. Primeiro sentimos demasiado frio, depois demasiado calor, depois nos sentimos enfermos, depois queremos comer isto ou aquilo. Temos que ficar realizando os desejos, vagando para encontrar o que comer sem nunca ter uma oportunidade para parar e descansar. E nunca é o suficiente – como os fantasmas famintos que estão famintos depois que eles morrem, sem ninguém para alimentá-los. Esses elementos ficam nos amolando, e não importa o que você faça, nunca conseguirá satisfazê-los. Primeiro a comida está muito quente, assim você tem que esfriá-la. Então está muito fria, assim precisa colocar de volta no fogão. Tudo isso se resume a um desequilíbrio nos elementos, às vezes bom, às vezes ruim, sem nunca chegar a um estado de normalidade, fazendo com que soframos de várias formas.

O terceiro estado de privação é o mundo dos demônios enraivecidos. Às vezes, quando ficamos doentes ou perdemos o juízo, corremos por aí pelados sem absolutamente nenhuma roupa, como se estivéssemos possuídos por demônios raivosos. Algumas pessoas têm que se submeter a cirurgias, removendo isto ou cortando aquilo ou drenando isto, agitando os braços e gemendo de tal forma que é realmente patético. Algumas pessoas ficam tão pobres que elas não têm nada para comer; elas ficam tão magras que não lhes resta nada exceto as costelas e os globos oculares, sofrendo como um demônio raivoso que não consegue ver a luminosidade do mundo.

O quarto estado de privação é o inferno. O inferno é a moradia de todos os espíritos com muito kamma ruim que têm que sofrer sendo assados, furados com estacas em brasa, e penetrados com espinhos. Todos os animais cuja carne comemos, depois que foram mortos e cozidos, se reúnem no nosso estômago e então desaparecem no nosso corpo em grande número. Se você os contasse, teria gaiolas de frangos, rebanhos de gado, e metade de um mar de peixes. Nosso estômago é uma coisa tão pequena, e no entanto não importa o quanto você coma nunca consegue mantê-lo cheio. E você tem que alimentá-lo com coisas quentes também, como os habitantes do inferno que têm que viver com o fogo e as chamas. Se não há fogo, eles não conseguem viver. Assim, para eles há uma grande frigideira de cobre. Todos os vários espíritos que comemos se reúnem na grande frigideira de cobre do nosso estômago, onde são consumidos pelo fogo da digestão, e depois nos perseguem: os seus poderes penetram através da nossa carne e sangue, dando origem à cobiça, raiva e delusão, fazendo com que nos contorçamos como se também estivéssemos queimando com o fogo do inferno.

Dessa forma olhe para o corpo. Ele é realmente seu? De onde ele veio? De quem ele é? Não importa o quanto você cuide dele, ele não ficará com você. Ele terá que regressar para o lugar de origem: os elementos terra, água, fogo, e ar. O fato de que ele possa permanecer por algum tempo depende inteiramente da respiração. Quando não existe mais respiração, começa a deterioração, e então ninguém mais o quer. Você não será capaz de levá-lo quando se for. Não existe ninguém que possa levar consigo os seus braços, pernas, pés, ou mãos. É por isso que dizemos que o corpo é não-eu. Ele pertence ao mundo. Quanto à mente, é o que faz o bem e o mal, e irá renascer de acordo com o seu kamma. A mente não morre. É quem experimenta todo o prazer e a dor.

Dessa forma quando você se dá conta disso, deveria fazer tanto bem quanto puder, por seu próprio beneficio. O Buda sentiu compaixão por nós e nos ensinou dessa forma, porém nós não sentimos muita compaixão por nós mesmos. Preferimos nos encher com sofrimento. Quando outras pessoas nos ensinam, não se pode comparar com quando nós nos ensinamos a nós mesmos, pois as pessoas nos ensinarão apenas ocasionalmente. A possibilidade de ser um animal comum, um ser humano, um ser divino, ou de realizar nibbana estão todas dentro de nós, assim temos que escolher qual delas queremos.

O bem que você faz é o que irá com você ao futuro. É por isso que o Buda nos ensinou a meditar, para contemplar o corpo para fazer surgir o desapego. O corpo é impermanente, sujeito ao sofrimento, e não tem nada de nosso. Você o toma emprestado durante algum tempo e depois tem que devolvê-lo. O corpo não pertence à mente, e a mente não pertence ao corpo. Essas são coisas separadas que dependem uma da outra. Quando você consegue ver isso, você não terá mais preocupações ou apegos. Você pode se soltar do corpo, e três coisas mais – idéia da existência de um eu, apego a preceitos e rituais, e a dúvida do caminho – irão cair do seu coração. Você verá que o bem e o mal vêm do coração. Se o coração está puro, esse é o maior bem no mundo.




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Binóculos

20 Agosto 1956

Quando você meditar, tem que estar atento a três coisas ao mesmo tempo. Em outras palavras, conforme você inspira e expira, três coisas – (1) a respiração, (2) a palavra de meditação, e (3) a mente – têm que estar juntas a cada momento. Ao mesmo tempo, a plena consciência sempre tem que estar no comando. Somente então você poderá dizer que está estabelecido nos fatores da meditação que são a essência daquilo que é hábil e meritório.

“Atenção Plena” – prestar atenção – é o que conta como meritório nesse caso. Esquecimento – negligência – é o que conta como ruim.

A plena consciência é o que supervisiona os resultados das nossas atividades – vendo o que fazemos que produz bons resultados, o que fazemos que dá resultados ruins – e então faz os ajustes. Por exemplo, se a respiração ainda não está confortável, movemos a mente para um outro ponto ou modificamos a maneira como estamos respirando. É o mesmo que mudar de lugar. Se aonde estamos sentados não está confortável, temos que levantar e encontrar um outro lugar para sentar. Uma vez que tenhamos encontrado um lugar confortável para sentar, temos que nos manter ali pelo máximo de tempo que possamos. Não temos que mudar de lugar outra vez.

Quando a atenção plena fica com a respiração, é denominada anapanasati. Quando está imersa no corpo, é denominada kayagatasati. Quando a atenção plena permanece com o corpo e a mente todo o tempo a isto se denomina desenvolver nosso tema de meditação (kammatthana) – como quando estamos sentados aqui meditando: estamos fazendo o nosso trabalho, isto é, nosso trabalho em relação ao tema da meditação.

Atenção plena é a causa. Se focamos nossa atenção em trabalhar com a mente, obteremos muitos resultados mentais. Se focamos em trabalhar com o corpo, obteremos muitos resultados corporais.

Os resultados que surgem do desenvolvimento do nosso tema de meditação são (1) acalmamos as qualidades ruins da mente; e (2) acalmamos os elementos físicos do corpo. A mente estará aberta e livre, tal como o oceano quando não tem ondas: o ar está parado, a superfície lisa, e o ar está limpo. Quando esse é o caso, podemos ver todo tipo de coisas que estão distantes. Dessa forma passamos a conhecer os assuntos do corpo. No nível mais baixo, passamos a conhecer o corpo no presente: entendemos o que está ocorrendo com os elementos terra, água, fogo, e ar, ambos nas suas partes importantes e nas partes sem importância. As partes importantes são aquelas que permanecem no corpo; as sem importância são aquelas que vêm e que vão, formando uma ponte entre os elementos internos do corpo e aqueles externos. Em relação ao elemento ar, veremos quantos tipos de energia da respiração ficam no corpo, e quantos tipos de respiração entram e saem. Veremos quais partes dos elementos terra, fogo, e espaço ficam no corpo, e quais partes vêm e vão. O mesmo se aplica ao elemento consciência. Por exemplo, quando nossos olhos não vêm com clareza, o que há de errado com o elemento consciência no olho? Seremos capazes de ver todas as formas nas quais ela se transforma, como também as mudanças nos elementos consciência no ouvido, nariz, língua, corpo, e mente. Teremos a atenção plena e a plena consciência constantemente no comando.

A atenção plena e a plena consciência são como binóculos para ver a grandes distâncias. A mente é como o dono do binóculo. Se os elementos do corpo não estiverem na sua normalidade, se eles não estão estáveis e calmos, então não importa quão espetacular sejam os nossos binóculos, não seremos capazes de ver nada. Por exemplo, quando o Buda investigou os seres do mundo, ele esperou até que o mundo estivesse quieto e tranqüilo – a última vigília da noite antes do amanhecer, quando as mentes dos seres humanos estavam quietas, tranqüilas e adormecidas. Foi então que ele usou os seus binóculos especiais para investigar tudo o que estava acontecendo no mundo.

Quando a mente está calma é como um oceano que está calmo: o ar está parado, o barco não balança, a água está clara e o ar escancarado.

Na medida em que treinamos a mente, ela se torna cada vez mais madura, mais temperada e afiada, capaz de cortar através de qualquer coisa. Como uma faca que sempre mantemos bem afiada: não há razão para que ela não esteja afiada. Assim devemos manter a prática da mesma forma como afiamos uma faca. Se qualquer parte do corpo ou da mente não está em boa forma, nós a ajustaremos até que obtenhamos bons resultados. Quando bons resultados surgem, estaremos no estado de Concentração Correta. A mente estará firmemente estabelecida no presente, em um estado de unicidade. Ganharemos poder sobre ambos corpo e mente. Poder sobre o corpo significa que em qualquer lugar que haja dores, podemos ajustar os elementos terra, água, fogo e ar para fazer surgir uma sensação de conforto, da mesma forma como podamos uma árvore. Se quaisquer galhos estão quebrados ou apodrecidos, nós os cortamos e enxertamos novos galhos. Se os novos quebram, enxertamos mais novos galhos. Continuamos fazendo isso até que a árvore esteja sadia e forte.

Quando trabalhamos a mente desta forma, as quatro bases para o sucesso surgem com força total. E como o Buda disse, qualquer um que desenvolva as bases para o sucesso viverá longamente. Em outras palavras:

chanda: estamos satisfeitos com o nosso trabalho;

viriya: permanecemos com o nosso trabalho e não nos desencorajamos ou desistimos;

citta: focamos nossa total atenção em nosso trabalho e nada mais;

vimamsa: investigamos a mente, investigamos as causas e resultados daquilo que estamos fazendo.

Todas essas quatro qualidades são bases ou passos no Caminho. Elas são a causa para o desenvolvimento de poder no corpo e na mente, por todo o caminho até o conhecimento do fim das impurezas mentais e para nibbana.

O que eu disse até agora tem o propósito de dar uma noção de como desenvolver a atenção plena e plena consciência como nossos binóculos especiais para investigar em termos mundanos e do Dhamma. Então você deve treinar a sua mente para permanecer firme nos fatores da nossa meditação, de forma que ela fique com o corpo no momento presente. Independentemente de quanto você se lembre do que eu disse, você deve colocar a sua mente na prática da meditação todo o tempo. Não abandone a prática ou pratique apenas de vez em quando, pois isso irá impedir que você alcance qualquer tipo de êxito. Veja-se como um supervisor, constantemente vigiando o corpo e a mente. Quando você faz isso, os seus trabalhadores terra, água, fogo e ar – não ousarão se esquivar ou negligenciar o seu trabalho. Cada um terá que satisfazer as suas responsabilidades plenamente. Dessa forma, você terá sucesso no seu trabalho de todas as formas. Ao mesmo tempo, uma vez que você tenha desenvolvido os seus binóculos especiais, o seu campo de visão irá mais longe do que o das pessoas comuns. Assim, você será capaz de se manter protegido de todos os lados. Você escapará dos perigos e encontrará felicidade e plenitude em tudo.




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O Coração Elétrico

22 Outubro 1958

As correntes do coração são rápidas, erráticas, e não assumem nenhuma forma que seja visível para o olho. As correntes sonoras e do olfato podem ser medidas em termos numéricos – 1, 2, 3, 4, etc. – porém as correntes da mente não podem ser medidas. E é da natureza das coisas que são rápidas que elas também sejam sutis. É por isso que as correntes da mente são impossíveis de ser vistas por qualquer pessoa que não esteja realmente interessada em investigá-las. As pessoas até afirmam que não existe a mente em um individuo, que tudo que temos é um corpo, como as árvores. Quando morremos, não sobra nada, nada para renascer. Existem somente os elementos terra, água, ar, e fogo.

É da natureza de coisas realmente rápidas que não possamos vê-las – como elas são, como são seus formatos ou suas características. Por exemplo, quando andamos em um carro ou barco passando por outro que venha em direção contrária em alta velocidade, não conseguimos ver os rostos das pessoas que estão no outro carro ou barco de maneira clara de modo a reconhecê-las. Ou suponha que duas pessoas passem correndo uma pela outra em alta velocidade. Elas não serão capazes de ver os rostos uma da outra. Alguns pássaros voam pelos céus tão rápido que nem conseguimos vê-los. Tudo que podemos ouvir é o ruido de quando eles cruzam o ar. Com as correntes da mente acontece o mesmo.

O Buda descobriu que a mente humana é algo poderoso – mais forte e mais divino do que qualquer coisa que exista. Porém, porque a mente opera tão velozmente, não conseguimos vê-la. Se quisermos vê-la, temos que fazê-la operar mais devagar. Conforme ela opera mais devagar podemos fazer com que ela pare. Quando ela para, nos damos conta de que a mente é algo verdadeiro, algo que não morre. Ao mesmo tempo, ela é fresca. Quando ela ainda está em movimento, é quente. O calor vem do movimento. Quando ela se movimenta com muita rapidez, pode gerar a eletricidade da cobiça, raiva e delusão.

Conforme geramos esses três tipos de eletricidade dentro de nós, a mente sairá em disparada pelos seis cabos – os nervos dos olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo, e mente. Se qualquer um desses cabos entrar em curto pode incendiar a nossa casa ou cidade. Quando essas correntes se incendeiam na mente, elas podem desgastar os nervos dos olhos, ouvidos, nariz, língua, e corpo, de tal forma que elas nos enviam a informação errada e fazem com que nos equivoquemos. Se andamos por aí com cabos expostos e encontramos alguém que também esteja com os cabos expostos, criaremos um curto circuito, e ambos seremos destruídos. Já é suficientemente mal que ambos estejamos gerando eletricidade, para piorar ainda mais as coisas, colocamos as nossas mãos exatamente sobre os cabos expostos um do outro. Quando isso acontece, somos eletrocutados. O perigo de cabos expostos é que a sua corrente nos engula. Quando conectamos, o calor se acumula e acaba num incêndio.

O movimento da mente acumula calor nos elementos do corpo, e quando os elementos ficam assim desequilibrados, eles fazem surgir a dor e a enfermidade. Quando a mente se movimenta dessa forma, ela obscurece tudo. Nossos olhos, ouvidos, etc. ficam obscurecidos de forma que não conseguem ver a verdade das visões, sons, aromas, sabores, tangíveis, e idéias. É por isso que o Buda nos ensina a despertar o silêncio através do desenvolvimento de um lastro com as ações hábeis e meritórias. E o que funciona como um lastro para as mentes? Somos ensinados a criar lastro para a mente procurando por três grandes blocos de pedra: generosidade, fazendo doações de coisas materiais; virtude, mantendo as nossas palavras e atos dentro da normalidade; e meditação, treinando a mente. Se a mente não se movimentar de forma mais lenta com o peso do que é hábil e meritório, não há como conseguir alívio do calor do seu incêndio. Às vezes o mal a puxa em uma direção, enquanto o bem a puxa em outra. A bondade é como a corrente positiva; o mal, como a corrente negativa. A mente alterna entre o bem e o mal, olhando para o bem somente de tempos em tempos, porém ela não encontra a verdadeira paz e tranqüilidade. Apesar disso, ela principia a ver as coisas com mais clareza, tal como um carro que começa a reduzir a velocidade porém ainda não parou.

Assim precisamos encontrar outras quatro maneiras de diminuir a velocidade da mente. Em outras palavras, temos que nos assegurar que os nossos pensamentos, palavras e ações não caiam sob a influência de quatro tipos de preconceitos: preconceitos baseados no desejo, baseados na raiva, baseados na delusão e baseados no medo. Temos que ser justos e gentis com outras pessoas, não causando dano a nós mesmos nem aos outros. Isso ajuda a nossa mente a se mover cada vez mais lentamente. Se ela se move para a frente, tem quatro bloqueios no caminho. Se move para trás, tem três pedras segurando. Necessitamos de princípios para o modo como sentamos, ficamos parados, caminhamos, deitamos, falamos, agimos, etc. Esses são os suportes da mente no desenvolvimento da tranqüilidade e insight. Isso é o que significa meditação.

A mente é como uma máquina. Quando uma máquina para, podemos com segurança tocar as suas correias e engrenagens. As correias neste caso são os seus vários conceitos e percepções. Em outras palavras, percepções do passado e futuro giram para trás e para a frente, é por isso que a mente não consegue esfriar. Enquanto se mantem girando, gera calor. Se ela gira realmente rápido, irá pegar fogo, queimando a si mesma e se espalhando para queimar outras pessoas também. É por isso que somos ensinados a parar o giro cortando as correias. Em outras palavras, praticamos a meditação da tranqüilidade, não permitindo que a mente saia girando atrás das correntes do mundo. Qualquer que seja a atividade em que você esteja envolvido, mantenha a mente totalmente envolvida no que estiver fazendo. É como a água no oceano quando está cheio de ondas: se tomamos uma tigela de água e a colocamos de lado até que as ondas se acalmem, ou se clareamos a água com um cristal de alume, podemos olhar para a água e ver com clareza o nosso reflexo.

Nosso rosto é algo que normalmente nunca vemos. Embora usemos a nossa boca para falar todos os dias, nunca vimos que formato ela tem. Embora respiremos através do nosso nariz a cada momento, nunca o vemos. Nossos ouvidos ouvem sons o dia todo, porém nunca vemos a sua aparência. Nossos olhos podem ver todo tipo de coisas, porém eles não conseguem ver a si mesmos. É por isso que dependemos de espelhos para ver o nosso reflexo. Somente então poderemos ver o nosso rosto. Quando as pessoas têm sabedoria, é como se elas tivessem um grande espelho para olhar para si mesmas, porque a sabedoria é o conhecimento claro que surge de uma mente luminosa, limpa, e pura, livre do girar, livre de ondas.

Quando a mente para de girar, ela chega ao silêncio. Esse silêncio é o que dá origem à sabedoria que se desenvolve em habilidades cognitivas dentro de nós – as três e as oito habilidades, tal como a lembrança de vidas passadas, que nos permite ver a nós mesmos; conhecimento do falecimento e surgimento dos seres vivos – uma vez que tenhamos visto o suficiente a nosso respeito, podemos ver outras pessoas; e o conhecimento do fim das impurezas mentais: podemos ver o que é bom, o que é mal, o que deveria ser abandonado, o que deve ser desenvolvido, o que nasce e morre, o que não nasce e não morre. Quando essas habilidades surgirem dentro de nós, compreenderemos completamente nossos corpos e mentes, bem como as coisas fabricadas em geral. Os três fogos da cobiça, raqiva e delusão ficarão separados, distantes do coração. O coração para de girar velozmente, e quando não gira mais, o fogo e a eletricidade param, deixando nada além de frescor e tranqüilidade.

É por isso que somos ensinados a encontrar lastro e bloqueios para a mente de forma que ela gire cada vez mais lentamente, até que pare, com o propósito do frescor, tranqüilidade, e paz que mencionei antes.




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Cobras, Fogos, e Ladrões

22 Abril 1959

Os perigos que a mente enfrenta são como cobras venenosas, fogos, e grandes ladrões – coisas que estão sempre à espreita para nos destruir: roubando-nos, matando-nos, e despindo-nos dos nossos valores, nossa bondade humana, todos os dias e noites.

“Cobras venenosas” neste caso significa a cobiça, raiva e delusão, que possuem venenos doloridos que se infiltram nas mentes das pessoas comuns. Quando chega ao coração esses venenos podem matá-las.

Quanto aos “fogos”, existem dois tipos: fogos na floresta e fogos em casas. Um fogo na floresta não possui nenhum único dono. Surge espontaneamente, por sua natureza, e espalha sua destruição em uma grande área, sem fronteiras, até que morra por si mesmo. Isto significa os fogos do nascimento, envelhecimento, enfermidade e morte, formas de sofrimento que surgem no corpo de todos seres vivos. Esse fogo pode queimar ambos nossos tesouros mundanos e nossos tesouros nobres (isto é, a bondade da mente que de outra forma poderíamos desenvolver). Quanto aos fogos em casas, esses são fogos que surgem de dentro do coração – contaminações, ignorância, desejo e apego – os obstáculos que se interpõem no caminho da bondade que vem do treinamento do coração e mente.

Os “grandes ladrões” ou “os 500 criminosos mais procurados” significam os cinco agregados: forma, sensação, percepção, formações mentais e consciência, que estão constantemente nos roubando, nos matando, e nos oprimindo, destruindo ambos, nossos tesouros mundanos e nobres. Além disso, existem os criminosos subterrâneos que sorrateiramente se aproximam de nós sem nos darmos conta: ganho material, fama, elogios e alegria por coisas externas. Quem quer que seja ludibriado por esses criminosos terá dificuldades em libertar-se. É por isso que eles podem destruir a bondade que de outra forma poderíamos alcançar no coração e mente.

Todas essas cobras venenosas, fogos e criminosos oferecem um tremendo perigo para o coração. Eles ficam destruindo a nossa bondade a cada instante. Se não temos sabedoria em relação a eles, teremos dificuldade em libertarmo-nos deles. A única forma de prevenir esses perigos é através do poder do Dhamma: em outras palavras, a prática da meditação, usando nossos poderes do pensamento aplicado e sustentado até o ponto em que faremos surgir a sabedoria que claramente sabe e vê a verdade de todas as coisas fabricadas. Quando pudermos ver os perigos em todos os lados, aprenderemos a ser cuidadosos e manter a guarda, buscar formas de destruí-los ou escapar deles. Quando conseguirmos fazer isso, nossas vidas serão felizes.

Quando praticamos o Dhamma é como se estivéssemos indo através de uma floresta deserta, desolada, a caminho do objetivo que é a mais elevada forma de felicidade e segurança. Para atravessar a floresta, temos que depender da prática da concentração, com a nossa atenção plena circunspecta em todos os lados. Não podemos ser negligentes ou complacentes. Precisamos fazer o esforço para eliminar todos os conceitos e preocupações que surgem para destruir a bondade da mente. Quando sabemos que há cobras venenosas, fogos e os 500 criminosos mais procurados esperando por nós ao longo do caminho, temos que estar plenamente atentos, vigilantes e despertos todo o tempo, e ter boas armas preparadas para que possamos vencê-los.

Ao mesmo tempo, necessitamos provisões para nos auxiliar no caminho – em outras palavras os fatores de jhana. Pensamento aplicado é o que foca a mente naquilo que ela quer conhecer. Pensamento sustentado é o que mata os obstáculos. Essas duas qualidades são como preparar o jantar. Porém se somente temos essas duas qualidades, é como se tivéssemos preparado nosso jantar mas sem saber o sabor dos diferentes tipos de comida que temos. Se podemos acalmar a mente até que ela seja uma só com o seu objeto, isso é como comer e engolir a nossa comida. Então saberemos o seu sabor e através dele seremos capazes de ter a sensação de saciedade e nutrimento: em outras palavras, uma sensação de êxtase, felicidade e unicidade da mente. O coração então será capaz de ganhar força total, tal como o corpo quando tem uma refeição nutritiva.

A comida externa é o que alimenta o corpo e lhe dá força. Quando o corpo tem força, podemos caminhar e correr para onde queiramos. O que quer que seja que queiramos fazer, teremos as forças para ter sucesso. Quanto à comida interna – o Dhamma – isso é o que alimenta o coração e a mente. Quando o coração e a mente estão bem alimentados, o poder do coração se torna resistente e forte. No que quer que seja que apliquemos a nossa mente seremos bem sucedidos em relação aos nossos pensamentos. Se a mente está privada do alimento do Dhamma, ela fica débil e fraca. Os pensamentos não são bem sucedidos, ou na melhor hipótese, terá sucesso em algumas coisas porém não em outras, não exatamente de acordo com as nossas expectativas. É por isso que temos que reforçar a força das nossas mentes o máximo que pudermos, pois a força da mente é a coisa mais importante dentro de nós que nos levará ao objetivo da máxima felicidade.

Enquanto você ainda estiver vivo e respirando, não permita que você seja negligente ou complacente. Não permita que o tempo passe sem nenhum propósito. Apresse-se e acelere seus esforços no desenvolvimento da bondade – pois quando não houver mais respiração, não haverá mais oportunidade de fazer o bem...

Você deve focar exclusivamente em qualquer pensamento que auxilie a fazer com que a mente fique firme, de forma a que possa fazer surgir a bondade. Não flerte com outros tipos de pensamento, não importando se eles pareçam mais ou menos sofisticados. Coloque-os para fora. Não os traga para a mente para pensar a seu respeito. Mantenha a mente firmemente colocada em uma única preocupação: esse é o seu verdadeiro coração, o verdadeiro coração dos ensinamentos do Buda.